Crédito: Gravura de E. Meyer em Curralinho no Atlas zur Reise in Brasilien de Johann Baptist von Spix. Acervo Arquivo Nacional
Contexto Histórico

O viajante que chega ao distrito de Milho Verde, na região mineira do Jequitinhonha, depara-se com um extenso gramado que se estende por toda a área central do vilarejo, até os pés da Capela de Nossa Senhora do Rosário. Vislumbra no campo aberto um cruzeiro de madeira, um pequeno cemitério do lado esquerdo e, ao fundo, emoldurando o cenário, a majestosa Serra do Espinhaço e o céu, que em noites claras explode em estrelas. O vilarejo parece adormecer no tempo, inalterável ao passar dos séculos.

Não muito longe dali, em um terreno elevado, está a Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres, em cuja capela, por volta de 1734, foi batizada Francisca da Silva de Oliveira, nascida no então Arraial de Milho Verde, filha do militar branco Antônio Caetano de Sá e de Maria da Costa, que foi trazida ao Brasil, como escravizada, da Costa da Mina, na África.

Francisca era apenas mais uma das crianças daquela região minerária que, ao vir ao mundo, em alguma das rústicas senzalas que havia ali, herdaria da mãe a condição de escravizada e nunca seria reconhecida pelo pai. Um número significativo de meninos e  meninas que nasciam em Minas Gerais, nas primeiras décadas do século XVIII, eram ilegítimos ou naturais, e quase todos eles eram filhos de escravizadas ou de forras concubinas.

Milho Verde

Distrito de Milho Verde, onde Chica da Silva nasceu (Crédito: Henry Yu)
O encontro

A capela onde se deu o batismo de Francisca foi tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), em 1980, juntamente com os elementos de sua pintura, talha imaginária e alfaias. Segundo a instituição, o imóvel "guarda quase intactas as linhas da edificação bem como o interior do monumento, mantendo as características da época da construção como o piso em campas, confessionários conjugados à balaustrada da nave, púlpitos com escada de acesso aparente e a pia batismal".

Já a história de Francisca da Silva, ao longo dos últimos quase 300 anos, esteve longe de se manter inalterada. O encontro, em 1753, entre a jovem e João Fernandes de Oliveira, contratador de diamantes de um dos períodos de maior opulência do Arraial do Tejuco — ela, com cerca de 20 anos, e ele, com 26 anos —, vem ocupando desde então o imaginário popular, ganhando contornos quase lendários e diferentes versões.

Do contratador, com quem ela viveu em concubinato por cerca de 17 anos, a escravizada ganhou a alforria e 13 filhos, sendo alçada à condição de integrante da elite da época. Coube às narrativas que foram sendo construídas ao longo das décadas seguintes fazer dela a icônica personagem Chica da Silva.

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Chica da Silva foi batizada na Igreja Matriz de Nossa Senhora dos  Prazeres; no detalhe, a pia batismal (Crédito: Acayauã Bié)

Novas historicidades

Ao lado de batistérios, cartas de alforria, inventários, correspondências pessoais ou oficiais e registros de nascimento e óbito, os testamentos são valiosa fonte primária sobre as biografias de pessoas que viveram naqueles tempos longínquos. Contudo, no caso de Francisca da Silva, o documento no qual ela indicou o destino que deveria ser dado ao seu patrimônio, após sua morte, permaneceu por décadas em local desconhecido.

A Memória do Judiciário Mineiro do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Mejud/TJMG) anunciou que este documento foi localizado, o que irá permitir novas historicidades sobre a personagem. O testamento, com data de 12 de novembro de 1770 — assinado, portanto, há 254 anos — foi escrito no Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição de Monte Alegre de Macaúbas, em Santa Luzia (MG), onde viviam, como internas, as filhas de Chica da Silva.

Terras incógnitas

Esse enredo, contudo, inicia-se muito antes, e tem como um dos pontos cruciais a descoberta de ouro nos sertões do que viriam a ser as Minas Gerais, no final do século XVII, e, alguns anos depois, o achado oficial de diamante em torno da Vila do Príncipe e do Antigo Arraial do Tejuco, em 1729. Em pouco tempo, a região, onde hoje se encontram os municípios de Diamantina e Serro, seria reconhecida como um dos maiores centros de extração de diamantes do mundo, no século XVIII.

O Distrito dos Diamantes (...), um dos mais elevados da Província de Minas, está encravado na Comarca do Serro Frio; ele faz parte da grande cadeia ocidental e compreende uma área, quase circular, de cerca de 12 léguas de circunferência. Rochedos sobranceiros, altas montanhas, terrenos arenosos e estéreis, irrigados por um grande número de riachos, sítios ao mais bucólicos, uma vegetação tão curiosa quão variada (...); e é nesses lugares selvagens que a natureza se contenta em esconder a preciosa pedra que constitui para Portugal a fonte de tantas riquezas.

- Naturalista e botânico Auguste de Saint-Hilaire, em “Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil”

Naquelas regiões montanhosas, o que será encontrado, inicialmente, é o ouro em pó: ao longo de milhares de anos, o metal que existia nas montanhas tinha sido lavado pela chuva, escorrendo e se depositando nos vales. Ali o ouro era minerado — as minerações de minas profundas só ocorreriam no século XIX — e sua descoberta provocaria impactos demográficos, tanto na América Portuguesa, no que vem hoje a ser o Brasil, quanto na demografia intercontinental, sobretudo na África e na Europa.

“Quando se começa a explorar o ouro, o comércio se instala de forma imediata, assim como as plantações e a criação de animais, porque é preciso abastecer a população. Esses sertões, na época, eram chamados de terras incógnitas, porque os portugueses não conheciam o que havia ali”, explica o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em história pela Universidade de São Paulo (USP), Eduardo França Paiva.

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Carta topográfica da Comarca do Serro Frio, Rio das Velhas e Rio das Mortes (Crédito: Acervo Biblioteca Nacional)
Deslocamentos populacionais

A população que chega à área,  e se junta aos indígenas que já existiam ali, é diversa: portugueses, luso-brasileiros (descendentes de portugueses nascidos no Brasil), africanos escravizados, crioulos (escravizados nascidos na América Portuguesa) e grupos já mestiçados, com predomínio dos mamelucos — filhos dos conquistadores portugueses com as indígenas, um perfil muito útil nas entradas e bandeiras paulistas, pois eles sabiam as línguas locais e conheciam os caminhos, que cruzavam matas fechadas, montanhas e rios.

No início do século XVIII, a coroa portuguesa percebeu que precisava intervir imediatamente naquele novo Eldorado, para controlar a população crescente e a extração do ouro. Assim, em 1711, são instaladas as três primeiras vilas — Mariana, Ouro Preto e Sabará —, e em 1720, surgem quatro outras.

O ano de 1720 estabelece outro marco importante: a então Capitania de São Paulo e Minas do Ouro é desmembrada, dando origem à Capitania de Minas Gerais, onde, com base em mapas e documentos, calcula-se que viviam em torno de 55 mil pessoas, naquelas primeiras décadas dos anos 1700. Por volta de 1780, contudo, a população já havia dado um salto, chegando a 320 mil moradores, o que fazia dela a mais populosa do Brasil.

Eduardo França
Eduardo França destaca a diversidade da população das Minas Gerais naquele período (Crédito:  Gláucia Rodrigues)

Novo Eldorado

O descobrimento do diamante, topázios e pedras preciosas, que começou a efetuar-se em 1727 e 1728, acrescentou o júbilo da corte de D. João V, e deu motivo a festas esplêndidas, que em Lisboa e no reino todo se celebraram, e a Te Deums e procissões inumeráveis que extasiaram o povo português, por quadrarem à sua religiosidade. Para Roma remeteu o governo as primeiras amostras que lhe foram enviadas. Ações de graças solenes se deram ao Todo-Poderoso na capital do mundo católico. O Santo Papa e os cardeais felicitaram o rei de Portugal. Cumprimentaram-no todos os monarcas da Europa. Não se ocuparam os povos da terra com outro objeto e notícia. Dir-se-ia que se descobrira coisa que devia regenerar e felicitar o universo”.

O trecho acima descreve um pouco do sentimento que o achado de diamantes nas terras brasileiras provocaria entre os europeus, num relato que consta no livro “História da Fundação do Império Brasileiro”, de J. M. Pereira da Silva. “Foi extraordinária a quantidade que produziram o leito dos rios e as entranhas das serras, rasgadas em mil sentidos e feridas até o coração”, declarou o autor na obra.

Oficialmente, o descobrimento dos diamantes se deu em 1729, quando foram identificadas as primeiras gemas nos ribeirões mais próximos ao Arraial do Tejuco e em afluentes do rio Jequitinhonha, onde já se explorava o ouro. Segundo a professora da UFMG e historiadora Júnia Ferreira Furtado, doutora em História pela USP, essa descoberta é envolta em muitas “lendas, mal-entendidos e mistérios”, provocados nos dez anos que transcorreram entre o início efetivo da exploração e o comunicado oficial do achado.

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A professora da UFMG, Júnia Ferreira Furtado, biógrafa da Chica da Silva (Crédito:  Gláucia Rodrigues)

Nos cascalhos depositados no fundo dos leitos ou que escorriam pelas correntezas de água, formando as aluviões dos rios, os diamantes eram encontrados facilmente e em abundância. A técnica de extração era rudimentar e se valia, principalmente, da bateia — tinas ou gamelas de madeira nas quais os sedimentos eram misturados à água e agitados, em movimentos circulares, fazendo o mineral precioso despontar.

“Quando estes primeiros achados se esgotavam, passava-se à exploração das margens, ou grupiaras. Os custos de produção então se elevavam, pois eram exigidas técnicas mais sofisticadas, além de ser necessária a remoção dos entulhos retirados do fundo dos rios e acumulados nas margens. Ao fim, fazia-se uma segunda lavagem dos cascalhos buscando pedras desprezadas na primeira lavagem”, explica Júnia Furtado.

diamante na palma da mão garimpeiro
Diamante garimpado, nos dias atuais, na região de Diamantina (Crédito: Gláucia Rodrigues)
Contratadores de diamantes

Na tentativa de controlar a produção, que de, tão abundante, provocou queda do quilate do diamante no mercado europeu, a coroa portuguesa elevou as taxas de captação e, em 1734, estabeleceu a Demarcação Diamantina, um quadrilátero em torno do Arraial do Tejuco e outros povoados, a fim de delimitar a região produtora.

No mesmo ano, foi criada a Intendência dos Diamantes, com sede no Arraial do Tejuco, e à qual coube fiscalizar e administrar a exploração da pedra, que, até 1734, era livre. Depois, ela foi proibida, por cinco anos, reabrindo, em 1739, com o sistema dos contratos particulares, arrematados de quatro em quatro anos. E assim surgiram os contratadores de diamantes.

Em sua obra “Memória do Distrito Diamantino”, de 1868, o advogado e historiador amador Joaquim Felício dos Santos lista os poderes e privilégios desses personagens e diz que, nas condições estabelecidas, os contratadores de diamantes “se constituíram os dominadores do país, tornaram-se respeitados e temidos na vasta zona que se estende da Vila do Príncipe às Minas Novas do Fanado, que também foram compreendidas na Demarcação Diamantina.”

casarão intendência dos diamantes em Diamantina
A então sede da Intendência dos Diamantes, que fiscalizava e administrava a exploração da pedra (Crédito:  Gláucia Rodrigues)

Ao todo, foram estabelecidos seis contratos. O primeiro foi arrematado por Francisco Ferreira da Silva em sociedade com o sargento-mor João Fernandes de Oliveira, pai do desembargador João Fernandes de Oliveira — o companheiro de Francisca da Silva. O patriarca assumiria ainda três outros contratos, com sócios diferentes, incluindo o sexto e último arranjo dessa natureza, em sociedade com o filho homônimo.

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Reprodução do mapa dos diamantes pertencentes ao sexto contrato de exploração (Crédito: Acervo Arquivo Nacional)
Arrail
Diamantina, vista da Igreja de São Francisco de Assis (Crédito: Gláucia Rodrigues)
O antigo Arraial do Tejuco

A Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Diamantina, guarda muitos tesouros. Entre eles, um dos primeiros órgãos integralmente fabricados no Brasil — mais exatamente, em Minas Gerais. Elaborado na Europa, ele foi construído pelo Padre Manuel de Almeida e Silva e pelo compositor Emérico Lobo de Mesquita, que nasceu a poucos quilômetros dali, no Serro, e é um dos mais destacados autores brasileiros de música sacra.

Emérico Lobo de Mesquita foi um dos cerca de 120 músicos que viveram no antigo Arraial do Tejuco, na segunda metade do século XVIII, e que eram requisitados para tocar para as irmandades religiosas e para as famílias mais abastadas da região, que despontou como a maior produtora de diamantes do mundo, naqueles idos.

A quantidade de músicos é apenas um dos aspectos reveladores da ebulição cultural gerada na localidade pela extração das pedras preciosas. “Era uma sociedade enriquecida, com uma elite estável e que vivia, principalmente, do aluguel dos seus escravos para a atividade da mineração”, observa a historiadora Júnia Furtado.

Antigo Arraial
Órgão da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Diamantina, antigo Arraial do Tejuco (Crédito: Gláucia Rodrigues)
Um mundo a desbravar

A opulência que irá marcar a região é revelada ainda, entre outros aspectos, por um dado de além-mar: na Universidade de Coimbra, em Portugal, no último quarto do século XVIII, o maior número de estudantes vindos do Brasil, por localidade, eram os provenientes do Arraial do Tejuco, como lembra a professora Júnia, que é especialista no período colonial brasileiro.

De acordo com a pesquisadora, a atividade comercial havia explodido na região, e os pais desses jovens promoviam a eles o letramento como ferramenta de ascensão social. Por isso o Tejuco receberia, naquelas décadas, uma migração massiva de rapazes solteiros e alfabetizados, formados nas coisas básicas do comércio, atividade na qual se empregam.

“Vários se enriquecem, porque aqui em Minas estava tudo a desbravar. O ouro provoca esse enriquecimento e também uma maior distribuição da riqueza. Assim, quando o naturalista e botânico francês Auguste de Saint-Hilaire veio ao Brasil, já por volta de 1820, ele ficou impressionado com o Tejuco, e diz que ali a elite toda falava francês, havia bibliotecas maravilhosas, teatro e ópera”, conta a professora.

 

Em toda a província de Minas, encontrei homens dóceis, cheios de benevolência e hospitalidade; e os habitantes do Tijuco não possuem em grau inferior estas qualidades e nas primeiras classes da sociedade elas ainda são mais realçadas por uma urbanidade sem afetação e pelo estilo da boa companhia. Encontrei no Tijuco mais ilustração que em todo o Brasil, mais gosto pela literatura e um amor mais vivo pela instrução.

- Naturalista e botânico Auguste de Saint-Hilaire, em “Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil”

Antigo Arraial
Diamantina guarda um imponente conjunto arquitetônico do período colonial (Crédito: Gláucia Rodrigues)

Mobilidade social

Do total de habitantes das Minas Gerais, no final do século XVIII, mais de 120 mil eram escravizados e 100 mil eram ex-escravizados — era o maior número de libertos na época. Os forros compunham um novo grupo social, que surgiria em Minas, naquele período, advindo da riqueza gerada pelos minerais preciosos.

Essa nova realidade econômica e social propicia oportunidades também para a população submetida ao trabalho escravo. “As pessoas estavam convivendo em áreas urbanas, não em áreas rurais, portanto, a dinâmica das informações era muito mais concentrada. Os escravos compartilhavam suas experiências com muito mais velocidade, intensidade e eficácia”, explica Eduardo França.

Ele observa que esse contexto permitirá ampla mobilidade social para os “escravos”, com muitos deles acumulando pecúlio para comprar suas alforrias. “Eles não recebiam a liberdade gratuitamente como geralmente se pensa”, observa o professor, que é autor, entre outros, do livro “Por meu trabalho, serviço e indústria: histórias de africanos, crioulos e mestiços na colônia – Minas Gerais, 1716-1789.”

Uma das oportunidades, na Capitania das Minas Gerais, surge com o costume da “coartação”, que consistia no pagamento das alforrias em parcelas. “Muitas vezes por meio de uma negociação apenas oral, o senhor liberava os escravos, e, principalmente, as escravas, para que, durante um período entre três e cinco anos, fossem pagando as suas alforrias”, explica o professor.

Como consequência, um elemento fundamental naquela sociedade é que a maior parte dos forros era constituída de mulheres, provocando uma inversão no perfil da população: entre os escravizados, existiam de dois a três homens para cada mulher; entre os libertos, existiam duas mulheres para cada homem.

Gravura
Crédito: Gravura de E. Meyer em Curralinho no Atlas zur Reise in Brasilien de Johann Baptist von Spix. Acervo Arquivo Nacional
Domínio de técnicas

Até a descoberta do ouro em grande quantidade em Minas Gerais, os grandes fornecedores do metal para os europeus eram as terras africanas, das quais saíram muitos escravizados para o Novo Mundo. Por isso, destaca Eduardo França, diferentemente do imaginário, “sabe-se hoje que para a região vêm escravos que têm experiência de mineração, que conheciam as técnicas de fundição de ouro e que antes comercializavam com os portugueses.”

Entre eles, havia mulheres que, na África, estavam envolvidas na mineração de ouro em pó, justamente o tipo que se encontra em Minas Gerais, e na extração em águas profundas. Elas eram mergulhadoras e detinham toda a técnica para submergir até o fundo dos rios, identificar o metal e então extraí-lo.

Por isso, a curadora de arte e historiadora Lilian Oliveira, natural da região de Diamantina, observa que há toda uma narrativa histórica que reforça a violência em torno da escravização, mas que apaga esse fato: “Os negros foram trazidos para o Brasil Colonial porque eles tinham ofícios a oferecer: eram ourives, construtores, tinham conhecimento sobre geografia e sobre fundição”, observa.

Acervo Museu do Diamante bateia e outros instrumentos (Crédito: Gláucia Rodrigues)
Costa da Mina

Essa mão de obra especializada era composta, sobretudo, por pessoas que dominavam a metalurgia e a técnica de extração e vinham da região denominada pelos portugueses como Costa da Mina. Historiadora e monitora do Museu do Diamante, em Diamantina, Jaqueline Ribeiro afirma que, na África, “eles já produziam ferramentas como bateia, peneira e enxada, instrumentos que até hoje são usados pelos garimpeiros.”

A região chamada “da Mina”, na costa africana, havia recebido esse nome depois que, no século XV, os portugueses instalaram uma feitoria no local: o Castelo de São Jorge da Mina. Os homens e mulheres que eram embarcados ali, para serem escravizados no Brasil, ao serem nomeados, recebiam um primeiro nome, português, acrescido do termo “mina”.

“Os portugueses sabiam da enorme vantagem de se ter escravos dessa região. Por isso, desde o início do século XVIII, aparece a lenda de que todo minerador que quisesse ter êxito deveria contar com pelo menos uma escrava mina, como se elas fossem um talismã. Não era completamente um mito: elas tinham experiência e conhecimento na atividade”, esclarece o professor Eduardo França.

casarão intendência dos diamantes em Diamantina
casarão intendência dos diamantes em Diamantina
casarão intendência dos diamantes em Diamantina
Desenhos de Carlos Julião, século XVIII
Herança ancestral

Por volta das primeiras décadas de 1700, eram muitos os homens, mulheres e crianças que cruzavam o oceano Atlântico em navios negreiros, vindos da famosa Costa. Em uma dessas embarcações, estava uma menina que receberia no Brasil o nome de Maria mina, e que chegaria, por volta de 1720, ao Arraial de Milho Verde, juntamente com escravizados pertencentes ao seu senhor, o forro Domingos da Costa.

Maria mina — mais tarde, já alforriada, passaria a se chamar Maria da Costa — vinha trazendo toda uma herança ancestral africana em costumes, tradições e também em ofícios. Entre os anos de 1731 e 1735, ela dará à luz a Chica da Silva.

É, portanto, nesse caldeirão incandescente de miscigenação racial e cultural e de emergência de uma nova classe social que nasce Francisca, escravizada forra que irá viver em concubinato com o desembargador João Fernandes de Oliveira. Segundo afirma a historiadora Júnia Furtado — autora da obra “Chica da Silva e o Contratador de Diamantes – o outro lado do mito” —, ele foi o detentor de uma das maiores fortunas do Império Português no século XVIII.

Sexto contrato de diamantes
Restos de uma suposta senzala, em um casarão abandonado, em Milho Verde  (Crédito: Gláucia Rodrigues)