Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Projeto Ponto Final empodera mulheres alvo de violência

Iniciativa piloto desenvolvida em BH procura fortalecer vítimas e ajudá-las a se reerguer


- Atualizado em Número de Visualizações:
Entrada frontal do Fórum Lafayette
Juizados de violência doméstica da capital funcionam no Fórum Lafayette

Colocar um fim em relacionamentos abusivos, romper o silêncio e adquirir condições e forças para escrever uma nova história com amor-próprio e respeito. São essas as metas do projeto Ponto Final, criado pelo 4º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (4º Juvid) de Belo Horizonte, para vítimas de agressões.

O encontro inaugural foi na última terça-feira (10/8), com mulheres cujos processos tramitam no 4º Juvid, mas a ideia é atender a todos os Juizados de Violência Doméstica e Familiar da capital. Os encontros, às terças-feiras, às 19h, são híbridos, online e presenciais, em razão da pandemia da covid-19.

São oito encontros semanais conduzidos pela servidora Cintia Kelly da Cruz Bento, da 4ª Vara de Família de Belo Horizonte. Graduada em Direito, a instrutora é também analista de perfil comportamental e possui formação em Coaching Integral Sistêmico (master coach) pela Federação Brasileira de Coaching Integral Sistêmico (Febracis).

A participação é voluntária. “Neste espaço, mesmo que virtual, as mulheres podem ser acolhidas, ouvidas, trocar experiências. É um momento para buscarem a autopercepção, desenvolverem sua inteligência emocional, tomarem consciência do próprio valor e assumirem decisões assertivas em conformidade com isso”, diz Cintia Bento.

“Vamos pegar na mão delas e ajudá-las a compreender, de forma clara e cristalina, o quanto valem, assim como fortalecê-las para serem as responsáveis pelo próprio destino. O programa é muito baseado em neurociência. Com os estímulos certos, novas crenças que mudam comportamentos podem ser adquiridas em curto prazo. Isso pode restaurar as vítimas e suas famílias”, sustenta.

Desafios

Segundo a juíza titular da unidade e integrante da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv), Roberta Chaves Soares, a seleção dos perfis é criteriosa, analisando a necessidade e também se a situação emocional permite que elas participem.

“Algumas estão tão fragilizadas que não demonstram condições psicológicas de se expressarem ou de serem ouvidas em grupo, exigindo, primeiro, um tratamento mais individualizado”, exemplifica.

A magistrada não acompanha as atividades, para dar mais liberdade às participantes e resguardar a imparcialidade nos julgamentos, mas, na abertura de cada encontro, recebe as vítimas e, caso entenda ser conveniente, indica mulheres para serem convidadas para o Ponto Final.

Magistrada em palco com tela ao fundo dá palestra
A juíza Roberta Chaves Soares responde pelo 4º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de BH (Foto: Letícia Lima/TJMG)

A proposta é fortalecer a autoimagem das participantes, para que elas não fiquem à mercê dos outros. Para Cíntia Bento, a capacidade cognitiva é de extrema importância, mas esse conhecimento é insatisfatório para subsidiar algumas decisões, razão pela qual mulheres com independência financeira e instrução podem entrar em relacionamentos abusivos ou sofrer esse tipo de agressão.

“Tais escolhas dependem de uma inteligência emocional amadurecida, e às vezes a pessoa simplesmente não consegue. A capacidade emocional não é inata, precisa ser desenvolvida. O projeto da Comsiv proporciona justamente isso. Se tenho para comigo respeito e estima elevada, minhas decisões, inclusive a de permanecer em um relacionamento, passam a ser orientadas por esse senso de valor”, afirma.

Reflexão e mudança

A juíza integrante da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv) afirma que a média diária de casos novos recebidos pela equipe de cada juizado especializado é de oito pedidos de medidas protetivas para o público feminino ou com essa identidade de gênero.

“O número, assustador, só tem aumentado. As medidas protetivas são apreciadas diariamente, e as ações penais, instruídas e julgadas. Contudo, a violência contra a mulher não para de crescer, e isso demonstra que precisamos atuar de outras formas para mudar esta triste realidade e assistir melhor essas vítimas”, defende Roberta Soares.

A magistrada explica que a iniciativa do Ponto Final preenche uma lacuna, pois os grupos reflexivos já alcançam excelentes resultados com agressores. “Essa proposta trabalha questões referentes ao machismo, à repetição de padrões, ao conceito de violência de gênero, atuando efetivamente para orientar e responsabilizar os homens, além de reduzir a reincidência.”

Entretanto, para as mulheres vítimas de violência de gênero, o atendimento era feito por psicólogas voluntárias e por encaminhamento a profissionais do Centro Risoleta Neves de Atendimento à Mulher (Cerna), vinculado à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese). Por isso, a Comsiv incentivou a criação de uma proposta no âmbito do Judiciário.

Guinada positiva

“O objetivo do projeto é ouvir as vítimas, trabalhar sua evolução emocional, aumentar o senso de valor e amor-próprio. Muitas vezes, as mulheres não conseguem colocar limites nos relacionamentos, não buscam ajuda, não comunicam o que vivenciam e demonstram dependência emocional ou financeira em relação ao parceiro”, contextualiza a magistrada.

A servidora Cíntia Bento, que suportou por cinco anos um relacionamento abusivo e não conseguia se desvencilhar apesar de sua formação acadêmica sólida, diz que possibilitar que outras coloquem um ponto final em situações de humilhação, desgosto e tristeza se tornou um propósito de vida para ela.

Mulher mostra placa com os dizeres "O melhor está por vir"
Para Cíntia Bento, projeto oferece escuta, esperança e motivação para vítimas de violência doméstica (Foto: Divulgação/TJMG)

“Nesse projeto, a mulher toma as rédeas de sua vida e sua história. Decidir livremente não surge da noite para o dia, mas é cultivado. Sei o que elas passaram e, hoje, com esse cenário já superado, desejo que elas entendam seu valor e abracem o empoderamento.”  

Para a juíza Roberta Chaves Soares, só assim é possível dar um basta e partir para relacionamentos saudáveis. “Assim, elas encontram autoconhecimento e empatia em um ambiente emocional propício para a tomada de decisões assertivas e condizentes com seus valores e projetos de vida”, conclui.

A Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar tem como superintendente e superintendente adjunta as desembargadoras Ana Paula Caixeta e Paula Cunha e Silva. Saiba mais sobre a Comsiv.