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22/10/19 10:08

Cegonhas não trazem bebês.
 
 

Reprodução assistida e pesquisa com embriões

Nada de cegonhas que trazem bebês, como diz o mito, presente em várias culturas antigas, que se espalhou pelo mundo no século XIX.

 
  • Conheça o mito da cegonha
    Conta-se que na época em que os partos eram feitos em casa, as pessoas diziam às crianças que os bebês tinham sido trazidos por uma cegonha. Para explicar o descanso da mãe depois do parto, contavam que, antes de partir, a ave havia bicado sua perna.

    A cegonha foi escolhida como símbolo porque é dócil e protetora: ela dedica atenção especial e carinho às aves doentes ou mais velhas. É também por isso que os antigos romanos denominaram de Lex Ciconaria (Lei da Cegonha) uma lei que incentivava as crianças a cuidar dos idosos.

    Além disso, a ave costumava fazer o ninho ao lado da chaminé das casas, para onde voltava para pôr ovos e cuidar dos filhotes. A mistura de generosidade e fidelidade ao ninho criou um símbolo que se espalhou pelo mundo no século XIX, através dos contos do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen que escrevia histórias para crianças.
 

Há menos de meio século, a pesquisa científica na área biológica avançou tanto que permite formas de reprodução humana antes inimagináveis. E, agora, pode realizar o sonho da paternidade e da maternidade de muitas pessoas como Elias, Veridiana e Fabiano.

A reprodução assistida é cada vez mais procurada por casais que não conseguem engravidar espontaneamente e também por solteiros, homossexuais e transexuais que desejam ter filhos biológicos.

Por envolver questões emocionais, biológicas e, até 2017, jurídicas, o ponto mais delicado da reprodução assistida é o envolvimento de uma terceira pessoa na gestação. No Brasil, esse protocolo é chamado útero de substituição. Não se trata de barriga de aluguel, porque não é permitido comercializar o útero no País.

As normas da reprodução assistida são reguladas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Para a pesquisa com embriões excedentes da reprodução humana, existe a Lei de Biossegurança. E, para o registro das crianças nascidas por útero de substituição, há uma regulamentação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicada em novembro de 2017.

Portanto, há quase dois anos, os pais podem registrar seus filhos nascidos de útero de substituição sem problemas. Antes disso, os pais tinham que acionar a Justiça para fazer o registro de nascimento correto.

Conheça a emocionante história de uma avó que gerou a neta Bianca, há 15 anos, com o espermatozoide do filho Fabiano e o óvulo da nora Veridiana. Os embriões excedentes foram doados para a pesquisa. “Eu queria contribuir para a ciência pelo que a ciência me proporcionou”, diz a mãe.

  • Veja o vídeo


Nesta edição, você vai entender essas regras e conhecer a história de um brasileiro que concluiu o sonho de ser pai. O óvulo foi doado por uma amiga e gestado por outra mulher na África do Sul, país onde mora. Vai saber também sobre o primeiro caso de barriga de aluguel que chegou à Justiça. O conflito ocorreu nos Estados Unidos, na década de 1980.

Na área da reprodução assistida, o Brasil avançou muito mais do que as pessoas imaginam. A filiação pode ser uniparental ou de casais homoafetivos. Não importa a forma, desde que o afeto seja oferecido aos filhos. A preocupação do Estado é com o bem-estar socioafetivo da criança¿, diz o ginecologista e obstetra com especialidade em Reprodução Assistida pela Associação Médica Brasileira (AMB), João Pedro Junqueira.
Reprodução Assistida
 
 

A reprodução assistida pode ser realizada de duas formas: por meio da fertilização in vitro (FIV), técnica já bastante conhecida, ou pela transferência de gametas intratubária, método menos utilizado. Embriões somente podem ser gerados por meio da FIV com o objetivo de reprodução humana. Os excedentes são criopreservados para novas tentativas ou são encaminhados para pesquisa ou descarte após três anos da criopreservação.

Quando se trata de transferência de gametas intratubária, os gametas masculinos e femininos são obtidos pelas mesmas técnicas utilizadas para a FIV e transferidos para o ambiente intratubário para a geração do embrião.

 

Já a FIV consiste em realizar a fecundação do óvulo com o espermatozoide em um laboratório de embriologia, o processo in vitro requer o cultivo dos embriões por até 14 dias, o que permite a observação de seu desenvolvimento e a posterior transferência de alguns deles para o útero.

 

Quando a reprodução assistida é homóloga, isto é, os gametas masculino e feminino são provenientes do casal que vai gerar, e efetivamente ser os pais da criança, não há motivo para preocupação com as questões que regem a vida civil.

Porém, no caso de reprodução assistida heteróloga, que envolve pelo menos um gameta proveniente de um doador que não terá vínculo com a criança, é necessário ficar atento às regras estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Isso porque não existe legislação específica para regulamentar a prática no Brasil.

 

Útero de Substituição e compartilhamento de material biológico.
 
 

No que se refere ao útero de substituição, o CFM solicita documentos civis, relatório médico com o perfil psicológico, clínico e emocional dos envolvidos " para atestar inclusive sua capacidade civil ", termo de compromisso dos envolvidos e consentimento da filiação que constará no registro civil da criança. Caso a mulher que está cedendo o útero seja casada ou viva em união estável, é necessária a aprovação do parceiro ou da parceira.

A doadora temporária do útero deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau: mãe/filha; segundo grau: avó/irmã; terceiro grau: tia/sobrinha; quarto grau: prima). Os demais casos estão sujeitos à autorização expressa do Conselho Regional de Medicina (CRM), para evitar comercialização de útero.

 

Quem requer o útero de substituição deve garantir todo o acompanhamento médico para a mulher durante a gestação, no parto e na recuperação pós-parto.

 

No caso de união homoafetiva feminina, é permitida a gestação compartilhada, isto é, o embrião obtido a partir da fecundação do óvulo de uma mulher pode ser transferido para o útero de sua parceira.

E, ainda, é permitida a doação voluntária de gametas, bem como a doação compartilhada de óvulos. Nesses casos, doadora e receptora com problemas de reprodução compartilham tanto do material biológico quanto dos custos financeiros que envolvem o procedimento, sendo que a doadora tem preferência sobre o embrião.

Útero de Substituição pelo Mundo.

 
 

Desde a década de 80 do último século nasceram mais de 320 mil bebês em vários países do mundo por meio do útero de substituição. Há lugares em que a regras são estritas como no Brasil. É o caso da África do Sul e de Portugal. Já em outros países, como Ucrânia, Índia e Estados Unidos, as condições são mais liberais.

Na África do Sul, assim como no Brasil, não pode haver comércio de útero, e a legislação daquele país tem muita semelhança com as regras definidas pelo CFM. Uma das diferenças é que lá não se exige vínculo de parentesco entre um dos pais e a mulher que vai gestar o bebê.

Elias, cineasta brasileiro residente na Cidade do Cabo, decidiu ter um filho por meio do útero de substituição. Homossexual, sonhava em ser pai, e uma amiga alemã ofereceu-lhe os óvulos, desde que outra mulher gestasse o bebê. Para a realização do procedimento, ele precisou pedir autorização para a Suprema Corte da África do Sul. Conheça a história de Elias para gerar seu filho Benício.

 

Fotos do menino Benício com seu Pai, Elias.
 
 
 
  • Conheça a história de Elias para gerar seu filho Benício
    " Foram aproximadamente quatro meses de papelada, testes psicológicos e testes de HIV de todos os envolvidos " eu, a doadora dos óvulos, o marido da doadora dos óvulos, a doadora do útero e a esposa da doadora do útero. Tudo isso foi documentado e encaminhado para um juiz avaliar. Todo o processo foi aprovado pela Suprema Corte.

    Conforme a legislação da África do Sul, eu sou o único guardião legal daquela vida desde que ela foi implantada no útero da Lisete. A doadora do útero renuncia a todos os direitos sobre aquela criança no processo aprovado no Judiciário, o único direito que ela tem é o de interromper a gravidez. Eles entendem que obrigá-la a continuar grávida seria uma infração aos direitos humanos. Então, a mulher tem o direito de interromper a gravidez, uma vez que o aborto é permitido no país.

    Foram colocados dois embriões no útero dela e um desenvolveu, a gravidez foi muito saudável. Eu ia uma vez por mês na cidade onde ela mora para as consultas médicas e ultrassons; mandava música brasileira para ela colocar para o bebê ouvir... Cuidei bem, mesmo à distância, para ela se sentir apreciada por esse bem enorme que estava fazendo para minha vida. Criamos uma relação de respeito, inclusive com a esposa dela. Um mês antes de o bebê nascer, me mudei para perto para ficar de prontidão se ele chegasse antes da hora prevista.

    Benício nasceu dez dias antes do previsto. Eu estava na sala de parto para assistir à cesárea " ela não quis parto natural. Ele veio direto de dentro dela para mim, eu estava sem camisa, fizemos o contato pele a pele e foi aquele sentimento mais maravilhoso do mundo. O meu medo de não ter a conexão foi balela, toda a mágica aconteceu. E então eu fiquei quatro dias sem dormir, não conseguia parar de olhar para ele, de cheirar... Eu estava felicíssimo e muito seguro.

    Na primeira tentativa de fazer o registro de nascimento do meu filho, as pessoas do serviço público para estrangeiros me falavam: "Moço, isso é coisa de filme. Como assim? Um recém-nascido que não tem mãe?!" Tive que voltar três vezes, até que consegui ser atendido por uma pessoa que verificou toda a papelada e emitiu a certidão. Mas, como na África do Sul não se concede a nacionalidade pelo nascimento, ele não é cidadão sul-africano, ele é cidadão brasileiro. Fiz o registro de nascimento do Benício no Consulado Brasileiro em Cape Town.

    Minha mãe, que tem medo de avião, atravessou o Atlântico por causa do neto. Ela ficou muito emocionada ao conhecer a doadora do útero: "Quero te agradecer pelo que você fez pelo meu filho, estou sendo avó pela primeira vez. Nunca imaginava que Elias pudesse ter um filho, ele sempre falou nisso, mas eu achava que era doideira da cabeça dele". Daí, ela respondeu: "Vocês têm que parar de me agradecer, eu não sou uma pessoa de muitas posses e nunca tinha tido uma oportunidade na vida de ser tão generosa, isso fez um bem tão grande para minha alma que sou eu que tenho a agradecer a vocês".

    A segunda gravidez

    Venho de uma família muito grande. Quando eu era pequeno, falava que queria ter dez filhos até descobrir quanto custa ter um. Sei que vou ter mais de um filho, pelo menos dois. Depois que tiver o segundo, vou pensar se animo a ter o terceiro (risos). Deu tudo tão certo que o time é o mesmo, o processo já está aprovado na Justiça.

    Temos ainda sete embriões criopreservados e vamos implantar um por agora. Minha amiga doadora dos óvulos está felicíssima porque está tendo a chance de ser mãe de novo sem o trabalho da maternidade. Ela tem contato com o Benício frequentemente, eles têm uma conexão divina! É incrível como ele sorri e se entrega para ela desde a primeira vez em que tiveram contato, há uma troca tremenda de carinho entre eles.

    Não o ensinamos a chamá-la de mãe, mas a história é clara e, se algum dia ele quiser chamá-la de mãe, não vejo problema. Acho importante ele saber de onde veio. Meu filho é um bebê superinternacional: ele tem a família brasileira, a família alemã e a nossa vida na África do Sul.

    Custos financeiros

    SSão mais ou menos US$ 35 mil para fazer esse processo na África do Sul, onde também não é permitido comercializar o útero, mas há um valor máximo aceitável mensalmente, como ajuda de custo para a doadora do útero: US$ 120 para roupas especiais, US$ 120 para uma ajudante doméstica e US$ 120 para alimentação especial.

    Eu ainda pagava o seguro saúde dela durante a duração do contrato, que é do dia em que a Suprema Corte aprova até três meses depois da entrega do bebê. O seguro saúde custava em torno de US$ 170 por mês. Como ela engravidou na primeira tentativa, foram 13 meses. Além disso, tem os custos com a Justiça, advogada e documentação".


Em Portugal, a gravidez de substituição é permitida, a partir de 2016, apenas a mulheres sem útero, com lesão ou doença que impeça a gravidez ou em situações clínicas justificadas.

Já a legislação ucraniana é favorável ao útero de substituição e à doação de óvulos. A escolha do sexo também é permitida. Na Índia há inúmeras clínicas dedicadas à barriga de aluguel, e na maioria dos estados norte-americanos há comércio de gametas, embriões e úteros de substituição.

¿A Índia fez um comércio tão grande de óvulo e de útero que o governo proibiu estrangeiros de procurar esses serviços no país. Nos Estados Unidos, os gametas podem ser comercializados, os doadores se identificam, as características físicas são usadas como commodities, e as pessoas pagam por isso¿, afirma o médico João Pedro Junqueira.

 
 

O primeiro caso judicial envolvendo útero de substituição de que se tem notícia ocorreu nos Estados Unidos, na década de 1980. Conhecido por Baby M, o processo ficou famoso pela solução encontrada pelo Judiciário para resolver a disputa entre a doadora do útero e os pais que a contrataram. Conheça a história.

 
  • Conheça a história da Baby M
    O casal Elizabeth e William Stern vivia em New Jersey e não podia ter filhos porque a mulher sofria de esclerose múltipla. Por meio de um centro para tratamento de infertilidade conheceram Mary Beth Whitehead, uma jovem de 29 anos, casada e mãe de duas crianças.

    Em fevereiro de 1985, assinaram um contrato: Mary Beth iria gerar o bebê por meio da inseminação artificial com o esperma de William e iria entregá-lo ao casal logo após o nascimento, abrindo mão de seus direitos maternos. Em contrapartida, o casal Stern se comprometeu a pagar US$ 10 mil a Mary Beth, arcar com todas as despesas médicas e pagar à empresa de fertilidade US$ 7,5 mil.

    Porém, assim que deu à luz, Mary Beth não teve coragem de entregar a criança e fugiu para a Flórida. Ela registrou a menina como Sara Elizabeth Whitehead. Inconformado, o casal Stern iniciou um processo judicial em New Jersey e obteve uma ordem judicial que lhes concedeu a custódia da criança.

    Na Primeira Instância

    O juiz Harvey Sorkow entendeu que o contrato deveria ser cumprido, uma vez que foi firmado voluntariamente por pessoas capazes e o acordo traria benefícios para ambas as partes.

    O juiz foi contra a tese de que o contrato tinha como objeto o comércio de bebês. Ele entendeu que o pai biológico não compra aquilo que já é seu. Portanto, o contrato foi firmado tendo como objeto o serviço de Mary Beth engravidar e dar à luz um filho de William.

    O juiz determinou, então, que a criança fosse entregue ao casal, oficialmente adotada, e extinguiu os direitos maternos de Mary Beth sobre a criança.

    Apelação na Justiça

    A defesa de Mary Beth apelou e, por unanimidade, a sentença foi reformada. Ficou determinada a anulação do contrato de gravidez de aluguel. O relator e presidente da Suprema Corte, Robert Wilentz, defendeu que o contrato era inválido, entendendo que a gravidez de aluguel configurava comércio de bebês.

    Embora o contrato tenha sido declarado ilegal, deram a custódia de "Baby M" para o casal Stern, com base no fato de que seria a melhor opção para a criança, pois os dois teriam melhores condições de cuidar dela.

    Contudo, a Justiça restituiu a condição de mãe para Mary Beth e garantiu a ela o direito de visitação. Após essa decisão, a criança recebeu o nome de Melissa Elizabeth Stern.
Como fica o registro do nascimento?
 
 

Desde novembro de 2017, os pais de crianças nascidas pela fecundação heteróloga, especialmente por meio do útero de substituição, não enfrentam mais dificuldades para registrar seus filhos. A seção III do Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), referente à reprodução assistida, garante o registro civil de nascimento dos filhos sem necessidade de autorização judicial, quando os pais comparecem ao cartório com a documentação exigida.

 

Já houve casos de casais homossexuais femininos em que a mãe biológica teve que adotar judicialmente o próprio filho, porque a criança foi gestada no útero da companheira e a Justiça não reconhecia as duas como mães.

 

A nova regulamentação também determina que, se os pais forem casados ou viverem em união estável, só é necessário o comparecimento de um deles ao ato de registro civil, mesmo sendo o casal homoafetivo. Desde 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece como entidade familiar a união estável homoafetiva e, desde 2013, o CNJ garante o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Os documentos exigidos para o registro de nascimento são os seguintes: declaração de nascido vivo (DNV); declaração com firma reconhecida do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga; termo de compromisso firmado pela doadora temporária do útero, esclarecendo a filiação; e comprovação de casamento ou de união estável, se os pais forem um casal.

Na hipótese de gestação por substituição, não constará do registro o nome da parturiente, informado na DNV. Todos os documentos devem permanecer arquivados no cartório onde foi lavrado o registro civil.

O conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento do vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos entre o doador ou a doadora e o filho gerado por meio da reprodução assistida.

Nas hipóteses de reprodução assistida post mortem, deve ser apresentado o termo de autorização do falecido ou da falecida para uso do material biológico criopreservado com firma reconhecida. Caso contrário, a clínica não poderá realizar a reprodução. Com a autorização, o cartório deve fazer o registro normalmente.

Reproducao pos mortem - questões legais

 
 

"Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: (...) III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido." É o que estabelece o Código Civil de 2002 em seu artigo 1.597.

Assim, é reconhecido como filho, mesmo após a morte do marido, o bebê gerado por fecundação artificial homóloga, isto é, quando os gametas são provenientes apenas de um casal casado.

No caso da inseminação heteróloga, o Código fala da autorização do marido, "como se não pudesse ocorrer a doação de óvulos", pondera a advogada Lívia Campos de Aguiar, professora universitária e vice-presidente da Comissão de Bioética e de Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil " seção Minas Gerais (OAB/MG). Ela diz que o Código já nasceu ultrapassado e não avançou nas questões da fertilização in vitro.

No que se refere aos bens que geram herança, a advogada explica: ¿O parágrafo quarto, do artigo 1.800, fala dos bens da herança ao não concebido. Se for concebido até dois anos após a abertura da sucessão, ele terá direito à herança. Após esse período, perde o direito. Veja a contradição: o não concebido até dois anos perde direito à herança, mas se é uma inseminação homóloga, o Código presume ser filho¿.

 
 

Se não houver autorização da pessoa falecida para uso dos gametas ou dos embriões gerados com seus gametas, as clínicas não podem implantá-los, ressalvados os casos de ordem judicial. Mas essa questão é interpretada por diferentes correntes jurídicas. Alguns juristas entendem que o dono do material genético deve deixar sua vontade expressa em testamento; outros defendem que não é necessária autorização expressa, pois, uma vez que o material está criopreservado, já está expressa a intenção da vontade de gerar filhos.

Nos casos post mortem, todos os herdeiros são envolvidos no polo passivo. "Já existem ações judiciais para casos de uso de material genético em que os donos não tenham deixado autorização por escrito e para casos de redistribuição de herança. Mas temos dificuldades em listar a jurisprudência, porque tais ações correm em segredo de justiça nas varas de família", afirma Lívia.

No que se refere à utilização do material genético, a questão post mortem é regulamenta pelo CFM desde 1992. Mas, no tocante à sucessão dos filhos gerados com esse material, há uma polêmica que ainda depende de jurisprudência e/ou legislação específica, ainda que o CNJ assegure o registro de nascimento.

Criopreservação e pesquisa.
 
 

No momento da criopreservação, seja de gametas ou de embriões, o doador deve registrar por escrito o que pode ser feito com o material, não só em caso de morte, mas também de doença grave e de separação. É preciso que ele manifeste se deseja doar, descartar ou enviar para pesquisa.

Embriões também podem ser utilizados em pesquisas específicas que contribuam para o tratamento de doenças dos próprios genitores ou parentes com genética compatível para tratamento.

Os embriões criopreservados abandonados por três anos ou mais poderão ser descartados. Embrião abandonado é aquele cujos responsáveis descumprem o contrato preestabelecido e não são localizados pela clínica. Já os embriões com alterações genéticas causadoras de doenças podem ser doados a qualquer tempo para pesquisa ou ser descartados, conforme decisão devidamente documentada com consentimento livre e esclarecido.

 
  • O descarte e o uso de embriões para pesquisa é regulamentado pela Lei de Biossegurança
    O artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005) estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos humanos geneticamente manipulados.

    Conforme o artigo, é permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: os embriões devem ser inviáveis ou estar congelados há três anos ou mais. Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

    Ainda de acordo com o dispositivo, as instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. É vedada a comercialização desse material biológico.

Deveres das Clínicas



Seleção do sexo ou características biológicas

As técnicas de reprodução assistida não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar sexo ou qualquer outra característica biológica, exceto para evitar doenças na criança a ser gerada. Em caso de gravidez múltipla, é proibida a redução embrionária, porque o aborto é proibido no Brasil.



Identidade dos receptores

Os doadores não podem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. Em situações especiais, informações sobre os doadores podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se sua identidade. A idade limite para a doação de gametas é de 35 anos para mulher e de 50 anos para homem.



Escolha dos doadores

A escolha dos doadores de material genético é de responsabilidade do médico. Dentro do possível, o profissional escolhe os gametas que tenham maior semelhança fenotípica com os futuros pais, se essa for a vontade deles.



Para evitar que casais irmãos geneticamente gerem filhos

A recomendação do CFM é que um doador ou doadora não produza mais que duas gestações de crianças de sexos diferentes em uma área de um milhão de habitantes. Ele ou ela poderá, no entanto, contribuir com quantas gestações forem desejadas, desde que para uma mesma família receptora.



Controle de doenças infectocontagiosas

As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de reprodução assistida são responsáveis pelo controle de doenças infectocontagiosas, pela coleta, manuseio, conservação, distribuição, transferência e descarte do material biológico.



Registros de dados clínicos, nascimentos e malformações de fetos ou recém-nascidos provenientes da reprodução assistida

Tais instituições devem manter um registro permanente das gestações, dos nascimentos e das malformações de fetos ou recém-nascidos provenientes da reprodução assistida, bem como dos procedimentos laboratoriais utilizados na manipulação de gametas e embriões.

Devem manter ainda registros com dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores, de acordo com as regras vigentes.


 
 
 
 
  • O médico João Pedro Junqueira fala do trabalho realizado pela clínica de reprodução assistida da qual é sócio diretor, localizada em Belo Horizonte. Confira
    "O que acontece é que as mulheres estão engravidando mais tarde, na faixa etária em que a fertilidade é mais baixa, e a necessidade de doação de óvulos é cada vez maior. As clínicas trabalham com banco de gametas terceirizado, indicamos o banco de gametas para os pacientes. Nós, médicos, temos acesso às características fenotípicas dos doadores, tais como altura, cor dos olhos, do cabelo, da pele. Os pacientes podem escolher o perfil dos doadores.

    Há bancos de sêmen no Brasil e também trabalhamos com importação de gametas, de bancos da Escandinávia e dos Estados Unidos, por exemplo. São vários critérios para a doação. Os doadores são triados levando-se em conta doenças genéticas, cromossômicas e infecciosas geneticamente transmissíveis.

    Com isso, a porcentagem de aprovação é baixa, apenas 10% no caso das doadoras de óvulos. Já para espermatozoides, a oferta é grande, pois só depende da ejaculação, então não temos problema. Quando se trata de coleta de óvulo, tem que induzir a ovulação, e a mulher passa por um pequeno procedimento cirúrgico.

    Para a fertilização in vitro , temos aqui na clínica uma incubadora que se aproxima o máximo possível da trompa natural, o que faz com que a eficácia da técnica aumente. Desse modo, não é necessário transferir mais de dois embriões, esses já são suficientes para obter uma gravidez. Mas é importante ressaltar que nenhum equipamento é melhor que a trompa e o útero materno para a fecundação.

    O único país na América Latina que permite o útero de substituição é o Brasil. As regulamentações do CFM e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são as mais liberais do mundo. As clínicas são vistoriadas pela Anvisa, e o Brasil não tem nada a dever a outros países na reprodução assistida.


 
 
 

EXPEDIENTE:
Coordenação Plural: Marlyana Tavares | Reportagem e fotografia: Soraia Costa | Ilustrações: Fernando Lima | Webdesign: Mariana Pacheco | Imagens: Augusto Brasil | Edição de imagens: Jéssica Hissa | Edição de web: Bruno Ávila | Revisão de texto: Patricia Limongi

Produzido pela Assessoria de Comunicação Institucional Tribunal de Justiça de Minas Gerais

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