Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Independência do Brasil impulsionou o desenvolvimento do Direito

Com o tempo, a legislação brasileira passou a contemplar os direitos civis e coletivos


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Penal, comercial, empresarial, ambiental, digital, do consumidor... A lista das áreas do Direito brasileiro cresce a cada ano, revelando uma sociedade em constante desenvolvimento. 

À medida que as relações sociais se tornam mais complexas e novas áreas do conhecimento surgem, trazendo à tona conflitos até então inexistentes, o Direito avança. 

Essa evolução, que começou lentamente já após o descobrimento do país pelos portugueses, ganhou fôlego após a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822. 

Aos poucos, a legislação portuguesa foi perdendo a predominância e novas diretrizes e normas emergiram a partir da ex-colônia. 

Este é o tema da segunda reportagem de uma série que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais preparou em comemoração ao Bicentenário da Independência do Brasil.

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Segundo o desembargador Rogério Medeiros, a Independência foi um divisor de águas para a Justiça brasileira  ( Crédito : Mirna de Moura/TJMG )

Divisor de águas

O desembargador Rogério Medeiros, integrante da 13ª Câmara Cível do TJMG e autor, entre outras obras, de “Perfil Contemporâneo da Justiça Brasileira”, publicado em 2013 pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), afirma que a Independência do Brasil foi um divisor de águas para o país.

 Ainda que num primeiro momento a legislação portuguesa tenha continuado em vigor, a separação de Portugal permitiu a elaboração das primeiras leis brasileiras. 

“A legislação até então em vigor era muito severa, influenciada pela cultura da Inquisição, com foco na área criminal. A configuração de crime e as penas eram bem duras”, diz o desembargador Rogério Medeiros. 

Condenações

O desembargador lembra que a condenação por alguns crimes atingia até mesmo os descendentes. Além da pena de morte, como o enforcamento, as pessoas podiam ser esquartejadas e torturadas, além de perder os bens.

“Havia, por exemplo, o crime de lesa-majestade (a traição ao rei), a infâmia, os crimes sexuais e de conotação religiosa. Alguns crimes eram punidos com chibatadas”, explica o magistrado.

Área cível

Na área cível, a legislação regulava precariamente a posse, a propriedade e os contratos. 

“As Ordenações do Reino elaboradas pela metrópole, que vigoraram por muitos anos no Brasil, não traziam a concepção de direito de defesa, do devido processo legal e dos direitos do cidadão. A noção de direitos humanos e fundamentais só chegou ao Brasil após a Independência”, lembra. 

Em 1823, pouco depois da proclamação da Independência, começou a movimentação para a elaboração de uma constituição. Porém, Dom Pedro I dissolveu a assembleia constituinte e, em 1824, outorgou uma carta constitucional. 

“O texto tinha ideias liberais vindas da Europa e emprestadas, sobretudo, da França. Mas o que estava no papel destoava do que ocorria no mundo real. O texto previa, por exemplo, a igualdade, mas a escravidão continuava existindo. Ou seja, foram mantidas situações que não condiziam com o espírito da Constituição”, diz o desembargador. 

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Primeira Constituição brasileira previa a igualdade mas manteve a escravidão ( Crédito : Reprodução/Internet )

Contraditório 

Segundo o desembargador Rogério Medeiros, na parte processual, após a Independência, Dom Pedro I adotou o chamado Regulamento 707, de Portugal. “Era um bom regulamento, que já previa o contraditório e a ampla defesa”, explica. 

Já o primeiro código, até pela tradição portuguesa e brasileira, muito voltada para o comércio, data de 1850. Era um código comercial que tratava, por exemplo, do comércio marítimo. Não havia código civil. Assim, vigoravam regras portuguesas e leis dispersas. Um código civil surgiria apenas após a Proclamação da República. 

A área penal também ficou sujeita a leis dispersas e a partes das Ordenações do Reino. “Apenas em 1830 surgiu o Código Criminal, que foi considerado um bom texto para a época. Essa legislação foi alterada ao longo do próprio Império, inclusive por leis esparsas”, afirma o desembargador. 

As primeiras legislações foram muito voltadas para a área criminal e comercial, com foco na propriedade, sem preocupação com os direitos humanos e fundamentais. 

“Não havia nenhuma sensibilidade social, como vemos no Código Civil de 2002 e na Constituição de 1988. Esses conceitos foram mudando apenas ao longo do século XX”, detalha o magistrado. 

Autonomia 

No que diz respeito à aplicação da lei, até a República o Judiciário sofria grande influência do Executivo e não tinha muita autonomia. 

“Do descobrimento até a chegada da família real portuguesa, em 1808, a aplicação da lei era difícil. Os donatários, que inicialmente eram os responsáveis por fazer cumprir a lei, atuavam como governo, legisladores e juízes. No entanto, eles também criavam seus próprios regulamentos e puniam quem queriam. Assim, o cenário era de total desregramento. Só posteriormente surgiram os governos gerais, que trouxeram para o Brasil os primeiros padres jesuítas e algumas autoridades burocráticas”, lembra o desembargador. 

Ainda na colônia, nos séculos XVI e XVIII, foram criadas as primeiras comarcas brasileiras, que funcionavam como 1ª Instância. Os chamados ouvidores exerciam o papel de juízes. Até 1812, funcionavam no Brasil dois Tribunais da Relação – o da Bahia e o do Rio de Janeiro. 

Assim, as comarcas já instaladas funcionavam como 1ª Instância. As apelações tinham de ser feitas para a Casa da Suplicação de Lisboa, que era o tribunal supremo da época. 

Em 1808, foram atribuídas à Relação do Rio de Janeiro a categoria e a jurisdição de Casa de Suplicação do Brasil, considerada como um tribunal superior. 

Minas Gerais só veio a ter seu Tribunal da Relação, instalado em Ouro Preto, em 1874. O Tribunal, que apenas em 1946 recebeu a denominação de TJMG, foi transferido para Belo Horizonte em 1897. 

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Chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, em 1808, foi fundamental para acelerar implantação de leis na então colônia ( Crédito : Reprodução/Internet )

Celebrações 

Dois séculos após a Independência, o desembargador Rogério Medeiros acredita que o país ainda está em vias de desenvolvimento. 

“Em que pese a economia pujante e o PIB entre os maiores do mundo, ainda nos falta o desenvolvimento jurídico, social e político. Nessa área, somos muito atrasados. O Brasil tem uma legislação muito boa, mas ainda distante da vida real. Muita coisa não sai do papel”, afirma. 

Para o magistrado, o atraso jurídico e a insegurança jurídica afastam os investidores estrangeiros. “As mudanças, tanto de jurisprudência entre os tribunais quanto de leis, são um sinal ruim”, diz. 

O desembargador ressalta, contudo, que, a despeito das dificuldades, há avanços a serem celebrados, como a proteção aos direitos humanos e a preocupação com o exercício da cidadania. 

“Temos brasileiros que conhecem seus direitos e muitas instituições voltadas à defesa dos direitos coletivos, entre os quais estão os idosos, as mulheres, as pessoas com deficiência e o meio ambiente. Temos muitos instrumentos jurídicos para fazer valer os direitos humanos e coletivos que, em uma democracia, sobressaem sobre os direitos individuais.” 

Judiciário 

No que diz respeito à aplicação da Justiça e à atuação do Judiciário, o desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant, superintendente da Memória do Judiciário Mineiro (Mejud) do TJMG, acredita que a proclamação da Independência foi condição indispensável para conferir ao país a tríplice capacidade de autoadministração, autogoverno e autolegislação. 

Para ele, a Justiça, como um dos três poderes do Estado, é elemento basilar de qualquer sociedade, de modo que, quanto mais independente e estruturado for o Poder Judiciário, maior tenderá a ser a harmonia entre as instituições políticas. 

“A essência da Justiça está assentada na sua distribuição e na pacificação social, ínsitas da coesão de um povo e do desenvolvimento de uma nação”, garante. 

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O desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant frisa que a Independência deu ao Brasil condições de criar sua legislação ( Crédito : Juarez Rodrigues/TJMG )

Unificação 

A historiadora Cecilia Helena de Salles Oliveira, professora do Museu Paulista da USP e autora da recém-lançada obra “Ideias em Confronto – Um original (e criterioso) olhar sobre os processos e personagens que motivaram a Independência do Brasil”, explica que, apesar das críticas feitas a Dom João VI em relação ao abuso na atuação dos juízes e à inoperância da lei, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, a Justiça se fazia presente. 

Ainda assim, os desafios prosseguiam. “Após a Independência e a separação de Portugal, uma das dificuldades do governo central radicado no Rio de Janeiro é que ele não tinha os tentáculos e os canais necessários para se fazer sentir, do ponto de vista legal e do fisco, nas várias capitanias que foram transformadas em províncias”, diz. 

Ao longo da primeira metade do século XIX, por meio da atuação do Parlamento, foram criados os mecanismos a partir dos quais se deu a unificação administrativa e jurídica do país. 

“Então, as províncias passaram a ter os representantes legais: juízes de direito e de paz, bem como delegados de polícia. A partir disso, foi estabelecida a forma como a lei deveria ser aplicada”, finaliza a historiadora. 

Leia na segunda-feira (5/9) sobre a Independência e as constituições brasileiras.

Leia aqui a primeira matéria da série, que abordou a importância da Independência como ponto de reflexão sobre o Brasil.

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