Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Depoimento especial de menores é novo paradigma para a Justiça

Trinta comarcas mineiras já contam com salas estruturadas para a metodologia


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Uma criança que sofreu violência sexual adentra a sala de audiência, ambiente formal, solene e intimidante, e se depara com várias autoridades que, com perguntas objetivas e precisas, esperam que ela relate os abusos que vivenciou. A situação causa-lhe desconforto e constrangimento, e, naquele espaço, a menina, de apenas 9 anos, sente-se vítima, mais uma vez.

Esse vinha sendo, até o momento, o modelo de depoimento de qualquer criança e adolescente vítima ou testemunha de violência. Mas uma nova metodologia, batizada de depoimento especial, começa a se disseminar pelos tribunais de justiça de todo o País, criando um novo paradigma para a justiça da infância e da juventude.

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Ambiente acolhedor permite à criança ser ouvida de forma carinhosa e ter seu depoimento gravado de modo respeitoso

No depoimento especial, o relato de crianças e adolescentes é tomado em ambiente acolhedor e amigável, dotado de infraestrutura que garante privacidade e impede o contato com o acusado. Tudo é gravado, de maneira que a vítima ou testemunha de violência menor de idade não precise repetir em diferentes ocasiões o que vivenciou ou testemunhou.

Trinta comarcas mineiras que foram consideradas prioritárias para a aplicação da metodologia receberam salas estruturadas em seus fóruns para o depoimento especial e estão concluindo a capacitação de profissionais nesse gênero de escuta. Algumas já deram início a esse trabalho, e outras estão prestes a iniciá-lo.

Diante da necessidade de uniformizar e padronizar o procedimento do depoimento especial no âmbito do Estado de Minas Gerais, o TJMG publicou no DJe de 20 de março a  Portaria Conjunta 823/PR/2019.

“A partir dessa regulamentação, o depoimento especial tona-se uma realidade forense em Minas Gerais”, comemora o juiz Flávio Schimdt, da Comarca de Muzambinho, integrante da Coordenadoria da Infância e da Juventude (Coinj) do TJMG. Ele é pioneiro na aplicação da metodologia em Minas, que utiliza desde 2009.

O magistrado manifesta sua alegria em ver o depoimento especial sendo disseminado no estado. “Esse método utilizado para a oitiva de crianças e adolescentes faz com que evitemos a revitimização desses menores, que são vítimas e até testemunhas de casos de violência os mais variados, tanto na área criminal quanto na área cível, como é o caso, por exemplo, da alienação parental, entre outros conflitos familiares”, observa.

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Metodologia inovadora para tomar o depoimento de menores vítimas ou testemunhas de violência, o depoimento especial evita a revitimização dos depoentes

Diferentes abordagens

Uma edição do Caderno da Coordenação da Infância e da Juventude (Coinj) do TJMG, que teve como tema o depoimento especial, enumera as diferenças entre essa metodologia e a tradicional. Um dos diferenciais está no fato de que, no método usual, diversas pessoas presenciam o relato da vítima, tornando a situação mais constrangedora para o depoente; no depoimento especial, apenas uma pessoa acompanha a fala da criança ou do adolescente.

Outra diferença está no fato de que, no método tradicional, as perguntas dirigidas à vítima ou testemunha são diretas e objetivas, para que as respostas obtidas também sigam esse padrão. Muitas vezes, durante as audiências, ocorrem debates, e a criança ou o adolescente os presencia, integralmente.

Além disso, como a quase totalidade dos prédios forenses não foi projetada para que as testemunhas de acusação e defesa aguardem a audiência em ambientes separados, réus e vítimas quase sempre se encontram nos corredores do fórum.

No depoimento especial, ao contrário, a entrevista é feita por meio de técnicas criadas com base científica e acadêmica. Os relatos são livres, para que os menores possam contar os fatos com maior fidedignidade. Além disso, como o depoimento é colhido em uma sala privativa, eles não presenciam discussões que porventura ocorram na sala de audiência e não encontram o réu nas dependências do fórum.

Proteção integral

Em Minas Gerais, a capacitação de juízes, psicólogos e assistentes sociais na metodologia está sob responsabilidade da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) do Tribunal mineiro. No ano passado, um total de 160 servidores e magistrados do TJMG, distribuídos em quatro turmas, receberam o treinamento, que acontece na modalidade semipresencial, com uma parte prática e outra teórica. No próximo mês de maio, mais 160 pessoas deverão ser capacitadas.

O juiz Flávio Schimdt, um dos instrutores do curso, explica que o depoimento especial vai muito além da estruturação do espaço físico, tendo sua relevância sobretudo na mudança de postura da autoridade judiciária, que recebe o apoio de uma equipe de psicólogos, assistentes sociais e profissionais de outras áreas capacitados em técnicas de entrevista forense.

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O desenho faz parte da estratégia para que a criança exponha sentimentos. Vara Especializada em BH tem 3,3 mil casos em tramitação

“O formato tradicional costuma gerar desconforto e estresse, pois as vítimas precisam repetir os fatos ocorridos nas várias fases da investigação. Outro fator relevante é que o depoimento especial aumenta a fidedignidade dos relatos dos depoentes. Pesquisas demonstram que, se questionados de forma inadequada, crianças e adolescentes – assim como adultos – podem relatar situações que não ocorreram ao se sentirem constrangidos ou mesmo ter falsas memórias implantadas”, afirma.

Na Vara Especializada em Crimes Contra a Criança e o Adolescentes de Belo Horizonte, onde a metodologia também já é aplicada, tramitam 3.300 casos, entre processos e inquéritos, envolvendo crianças e adolescentes enquanto vítimas, dos quais 80% são casos de estupro ou pedofilia.

“O depoimento especial, realizado como produção antecipada de provas ou durante a instrução criminal, constitui-se no mais importante mecanismo de proteção de direitos que o Estado pode proporcionar a essas vulneráveis vítimas”, avalia a juíza titular da vara, Marixa Fabiane Lopes Rodrigues.

“É extremamente satisfatório ver que o Tribunal de Justiça de Minas tem procurado cumprir o seu mister. A par da gravidade dos delitos sexuais, é um alento para nós, juízes, e também para os familiares das vítimas saber que não ocorrerá violência institucional e que aquela criança e aquele adolescente estarão protegidos de revitimização ao deporem na Justiça”, ressalta a juíza.

Em Governador Valadares, a sala para depoimento especial já está estruturada, e quatro técnicos passaram pelo treinamento: duas psicólogas e duas assistentes sociais.

“Como psicóloga, nossa forma de abordagem dessas questões é bem diferente. No depoimento especial, não estaremos atuando como psicólogas, mas como entrevistadoras. Estamos na expectativa de iniciar a metodologia e faremos os ajustes necessários, para o cuidado importante com a criança ou o adolescente que será ouvido”, diz a psicóloga Alessandra Oliveira Souza, uma das capacitadas na metodologia.

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Juíza Marixa Fabiane Lopes Rodrigues: depoimento especial é proteger os direitos de vítimas vulneráveis

Relato da vítima

A metodologia começou a ser posta em prática na Comarca de Campo Belo em maio de 2018 e, até o momento, foram realizadas 14 audiências; outras três estão marcadas para o mês de abril. “Quando se trata de crimes sexuais, praticados sem a presença de qualquer testemunha e às vezes sem deixar vestígios, o relato da vítima é fundamental”, observa o juiz Leonardo Guimarães Moreira, da Vara Criminal, da Infância e da Juventude e de Execuções Penais de Campo Belo.

Por isso, destaca o magistrado, uma abordagem adequada na escuta da criança, realizada por um profissional especialmente capacitado nas técnicas do depoimento especial, “produz uma prova extremamente relevante e confiável, não só para o processo criminal, como também para a adoção de medidas de proteção na área da infância e da juventude”.

Na Comarca de Ribeirão das Neves, o uso do procedimento foi iniciado antes mesmo de a sala estar totalmente estruturada. “Até o momento, já atuei em dois depoimentos especiais, que foram gravados, mas, na ocasião, não foram transmitidos simultaneamente. A aplicação da metodologia ainda está sendo um desafio para nós, mas é possível perceber benefícios para a criança, comparando-a com o depoimento nos moldes tradicionais”, observa a servidora Giselle Cristina Guimarães Moreira.

Padronização dos procedimentos

A  Portaria Conjunta 823/PR/2019  estabelece, entre outros pontos, que o depoimento especial deve ser realizado em sala própria e transmitido em tempo real ao local da audiência, por meio de equipamentos eletrônicos que permitem a gravação do áudio e da imagem em sistema do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG).

De acordo com a portaria publicada pelo Judiciário mineiro, a tomada desses depoimentos deve acontecer com a participação de entrevistador forense – profissional ou equipe multidisciplinar do quadro efetivo do Judiciário mineiro, psicólogo e assistente social, capacitados em técnicas científicas de coleta de testemunho.

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Captação de imagens durante depoimento: objetivo é a máxima discrição para causar o mínimo dano ao depoente

Os profissionais atuarão como entrevistadores forenses, cabendo a eles não apenas tomar esses depoimentos em processos judiciais, mas também desenvolver serviços de natureza técnica, de prevenção, proteção e encaminhamento para a vítima ou testemunha de violência e seus responsáveis.

Todas essas medidas têm o objetivo de minimizar os danos causados às crianças e aos adolescentes vítimas de violência nas suas múltiplas naturezas, impedindo que sejam revitimizadas. A ideia é ampliar a garantia da proteção e da prevenção da violação de seus direitos, valorizando a palavra desses meninos e meninas.

Confira a íntegra da Portaria Conjunta 823/PR/2019.

Comarcas prioritárias

O servidor Guilherme Lourenço, da Gerência de Suporte à Operação de Equipamentos da Diretoria Executiva de Informática (Dirfor) do TJMG, explica que, para a escolha das 30 comarcas que receberam a infraestrutura e a capacitação para aplicar a metodologia, levou-se em consideração, entre outros aspectos, a disponibilidade física de salas nas edificações e a distribuição geográfica entre as seis regiões da Corregedoria.

São elas: Belo Horizonte (1ª região); Betim, Conselheiro Lafaiete, Contagem, Divinópolis e Ribeirão das Neves (2ª região); Caratinga, Ipatinga, Juiz de Fora e Viçosa (3ª região); Passos, Poços de Caldas, Pouso Alegre e Varginha (4ª região); Araxá, Patos de Minas, Uberaba, Uberlândia e Unaí (5ª região); Almenara, Brasília de Minas, Curvelo, Governador Valadares, Guanhães, Janaúba, Januária, Montes Claros, Pirapora, Salinas e Teófilo Otoni (6ª região).

De acordo com Newton de Pádua, da Gerência de Projetos da Diretoria Executiva de Engenharia e Gestão Predial (Dengep) do TJMG, os novos fóruns já estão sendo projetados para incluir, nas centrais de serviço social e psicologia, uma sala preparada para os depoimentos especiais.

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