Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Constituição de 1988 consagra democracia no Brasil

Ao longo de sua história, país conviveu com Cartas Magnas que trouxeram avanços e retrocessos à Nação


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Preocupação com o bem-estar social e com a proteção dos direitos e das garantias individuais e coletivas.

Essa característica tão presente na Constituição brasileira de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, foi se consolidando aos poucos, a partir da Independência do Brasil, ocorrida em 7 de setembro de 1822.

Até que fosse possível aos brasileiros serem conduzidos pelo texto que passou a vigorar a partir de 1988, um longo caminho auxiliou o país no seu processo de construção como Estado Democrático de Direito.

A terceira reportagem da série de matérias que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) preparou em comemoração ao Bicentenário da Independência trata das transformações vivenciadas pelo país e, de certa forma, estampadas no texto constitucional.

Ainda que firmado na soberania, na possibilidade de pleno exercício da cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político, consagrados em seu artigo 1º, cabe ao Brasil, no Bicentenário da Independência, um árduo e permanente esforço para que o texto constitucional se efetive em sua totalidade.

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Para o desembargador Edgard Penna Amorim, Constituição de 1988 é a mais democrática que o país já teve ( Crédito : Cláudia Ramos/TRE-MG )

Garantias

“Sem dúvida, a Constituição de 1988 é o texto mais democrático e avançado que já tivemos, tanto do ponto de vista da organização dos poderes quanto dos direitos e garantias individuais e sociais”, diz o desembargador aposentado Edgard Penna Amorim, mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O magistrado explica que a Constituição atualmente em vigor surgiu como uma reação ao governo militar que vigorava no Brasil até 1985. Assim, sua origem é altamente democrática, não apenas do ponto de vista da relação entre os poderes, mas também da limitação desses poderes em face dos direitos e garantias fundamentais.

O professor afirma que, ainda que o texto seja criticado e considerado detalhista ao tratar de questões que não são eminentemente de natureza constitucional, é preciso entender que havia uma necessidade social, pelos brasileiros, de ver reconhecidos e respeitados, bem como protegidos, direitos individuais e sociais.

Inicialmente, a convocação da Assembleia Constituinte não atendeu aos desejos mais democráticos da época, segundo conta o professor Edgard Penna Amorim.

“A intenção era de que a nova Constituição não estivesse condicionada a nenhum texto anterior. O problema é que o Congresso que aprovou a emenda de convocação da Assembleia Constituinte era formado por um Senado composto por um terço dos chamados senadores biônicos, ou seja, que não tinham sido eleitos pelo povo", afirma.

Curiosamente, a Assembleia Constituinte foi convocada por uma emenda à Constituição até então em vigor, que era de 1967.

Transformações

O professor explica, contudo, que a Assembleia Constituinte viabilizou um processo de ampla discussão e participação popular, o que juristas e historiadores consideram ter sido suficiente para legitimar a Carta Magna de 1988, que emergiu de um momento marcado por profundas transformações no país.

Até chegar à legislação atualmente em vigor, contudo, o Brasil percorreu uma longa caminhada, editando textos diversos que nem sempre contemplaram as aspirações populares. Mas essa trajetória de amadurecimento só foi possível graças à proclamação da Independência, que abriu caminho para que o jovem país pensasse seu próprio rumo.

“A Constituição de 1824, outorgada por Pedro I, é considerada a primeira Constituição do Brasil enquanto Estado independente. Esse documento tratou da organização dos poderes e estabeleceu princípios da organização das províncias. Na mesma linha das constituições que surgiram a partir da Revolução Francesa, desde o final do século XVIII, o texto estabelecia direitos e garantias individuais”, diz.

Segundo o magistrado aposentado, apesar de os direitos individuais na atualidade terem conceitos mais amplos, aqueles previstos na primeira Constituição não eram tão diferentes do que se conhece hoje. “Na esteira da Revolução Francesa, que acabou influenciando o mundo ocidental, já era necessário que se estabelecessem limites para a ação do Estado em relação às individualidades.”

O professor conta que a primeira Constituição, bastante enxuta, recebeu mais influência das constituições francesa e americana do que da portuguesa. E, com a Proclamação da República, seguida do texto de 1891, acentuou-se o desligamento de Portugal.

“Culturalmente, havia o vínculo. Mas, a Proclamação da República, seguida da Constituição de 1891, tenta-se apagar os laços com Portugal e reafirmar a brasilidade. Essa Carta é mais inspirada na constituição americana, sobretudo no que toca à forma federativa do Estado, com a transformação das antigas províncias em estados com autonomia político-administrativa”, diz.

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Obra "Noite da Agonia" retrata dissolução da primeira Assembleia Constituinte por Dom Pedro 1º em 1823 ( Crédito : Divulgação/TJMG )

Ditadura de Vargas

Em 1934, com a queda da República Velha, uma nova Constituição é promulgada.

“Ela é tida por bastante democrática a avançada para a época, mas dura pouco, já que, em 1937, Getúlio Vargas dá o golpe e outorga um novo texto constitucional, que se baseou em instrumentos constitucionais europeus. Entretanto, apesar das regras e princípios, o Brasil vivenciava uma ditadura. Se a Constituição fosse eventualmente desrespeitada, a força do governo impunha que as coisas acontecessem, ainda que à revelia dela. Demos um passo para trás”, explica.

Em 1946, com a queda da ditadura, é promulgada a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, resultado do trabalho de uma Assembleia Constituinte.

“Uma comissão constitucional elaborou um projeto primitivo, a partir de um texto inspirado na Constituição de 1934. Na esteira de várias outras constituições, sobretudo as europeias, ela funda o estado social de direito, com preocupações que alcançam o bem-estar do povo. Esse foi um avanço”, detalha o magistrado.

Segundo o constitucionalista, após a Primeira Guerra Mundial, o bem-estar da população surgiu como uma preocupação no Ocidente.

“O objetivo era não só instituir estados democráticos, mas prever proteção aos trabalhadores e garantir direitos como educação e saúde. A Constituição de 1946 tenta conciliar essa preocupação social com a democracia e a liberdade econômica.”

Reviravolta

No entanto, a história brasileira reservava nova reviravolta com o Governo Militar de 1964. “A Junta Militar assume o governo e estabelece os chamados atos institucionais, que passam a regrar o funcionamento dos poderes do Estado. O sistema presidencialista foi mantido, e outros atos institucionais foram estabelecendo a forma de sucessão dos diversos generais no poder. Em 1967, na expectativa de dar alguma legalidade ou aparente traço constitucional ao regime, o governo outorga uma nova Carta.”

O desembargador aposentado lembra que a Carta de 67 convive, paralelamente, com os atos institucionais. “Os atos institucionais sempre superavam a Constituição, porque eram o retrato do poder exercido naquele momento. Em 1969, é outorgada a Emenda nº 1, que é tida por muitos até como uma outra Constituição, apesar de não ter recebido esse nome. A Emenda consolida praticamente um outro texto jurídico, que mantém o poder nas mãos de um grupo civil – setores que apoiaram o golpe – e militar”, explica.

A Emenda nº 1, de 1969, aumenta os poderes dos dirigentes do regime militar. “Ao lado do texto constitucional continuam coexistindo os chamados atos institucionais. A Constituição era uma mera folha de papel, na medida em que o governo era livre para fazer alterações ou exercer o poder de uma maneira diferente do que o texto previa. Os atos institucionais estavam à disposição dos presidentes para ‘normatizar’ o que eles desejavam. Demos um novo passo para trás”.

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Então presidente da Câmara, o deputado federal Ulysses Guimarães comemora promulgação da Constituição de 1988 ( Crédito : Arquivo/Agencia Brasil )

Diretas Já

O caminho para a Constituição Cidadã só foi aberto a partir do movimento cívico que tomou conta do Brasil a partir de 1984, quando houve uma mobilização para que fosse aprovada a emenda das Diretas Já.

“O movimento se frustrou, mas o anseio pelo restabelecimento das eleições diretas foi se fortalecendo, sobretudo com a anistia de 1979, que permitiu que lideranças políticas exiladas pelo regime militar retornassem ao país”, diz.

Inviabilizado o restabelecimento das eleições diretas para os chefes do Poder Executivo, Tancredo Neves e José Sarney lançaram-se candidatos a presidente de República e vice no Colégio Eleitoral criado pelos militares e assumiram, em campanha, a proposta de convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.

“Era uma demanda político-social grande, porque se entendia que essa seria a maneira de formalizar a redemocratização do país como um todo. Com a morte de Tancredo Neves, José Sarney assumiu o governo e se viu pressionado social e politicamente a fazer algum movimento para convocar a Assembleia Constituinte. O que democratas e liberais pretendiam é que a assembleia fosse autônoma e soberana e que reorganizasse o Estado brasileiro da forma mais democrática possível. E assim chegamos à Constituição de 1988.”

O professor Edgard Penna Amorim explica que, curiosamente, a atual Constituição brasileira é muito inspirada na Constituição Portuguesa de 1976 e na Constituição Espanhola de 1978, ambas resultantes de um movimento democrático que também fazia contraponto a governos autoritários: em Portugal, a de Salazar, e, na Espanha, a de Franco.

“A Constituição de 1988 é a mais longeva em vigor no Brasil no período republicano. Uma das críticas à atual Carta Magna é o grande número de emendas constitucionais das quais ela foi alvo. Muitas dessas emendas foram causadoras de alterações relevantes e que alteraram alguns cernes do texto. A meu ver, nem todas as emendas prestaram um serviço à democracia, mas muitas foram aprovadas por razões políticas e ideológicas que vigoravam à época”, afirma o professor.

Sonho

O desembargador aposentado Edgard Penna Amorim acredita que, no ano do Bicentenário, é importante ressaltar que o surgimento do Estado brasileiro foi viabilizado pela declaração de Independência. “Ainda que com idas e vindas, avanços e retrocessos, o Brasil, sob a égide da Constituição de 1988, representa o exemplo de um estado democrático.”

No texto atual, além da previsão de que o poder emane do povo e de que os poderes da União – Legislativo, Executivo e Judiciário – atuem de forma independente e harmônica, está desenhado o desejo de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades e o bem de todos, sem preconceitos e discriminação. O consagrado Artigo 5º ressalta que todos são iguais perante a lei e que têm direito, entre outros pontos, à vida, à liberdade e à igualdade.

“Para mim, a atual Constituição possibilita a realização de um sonho que foi imaginado por Dom Pedro e por outros apoiadores da Independência do Brasil. Os valores defendidos pela nossa Carta Magna hoje talvez tenham sido os mesmos que guiaram os atores do processo de Independência séculos atrás”, conclui.

Leia nesta terça-feira (6/9) sobre a Independência e a história das escolas de Direito no Brasil.

As matérias especiais sobre o Bicentenário da Independência começaram a ser publicadas no dia 1º/9 no Portal TJMG. Já foram tratados os seguintes temas: “Reflexões sobre a Independência e o Brasil do futuro” e “O nascimento do Direito no Brasil”.

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