Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Nota de esclarecimento

Juíza esclarece decisão sobre processo envolvendo torcedores e segurança no Mineirão


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(Foto Ilustrativa)

Belo Horizonte, 10 de maio de 2021.

NOTA DE ESCLARECIMENTO

 No sentido de esclarecer ao público em geral sobre o processo em que envolveu dois torcedores do Clube Atlético Mineiro, na condição de acusados, e vítima, um segurança do estádio do Mineirão, e resultou em processo criminal onde o MP buscou a condenação dos torcedores por crime de Racismo, e outras injúrias, fato que teve repercussão nacional, na condição de Magistrada responsável pelo Julgamento, embora não tenha o dever de fazer esclarecimentos sobre a decisão, mas entendendo que a população precisa ser esclarecida no âmbito do Direito e da Lei Penal,  passo as explicações conforme seguem:

  1. – Fatos que envolvem desrespeito a pessoa em razão de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, podem ser punidos como crimes de Racismo, na forma do art. 20 da Lei 7.716/1989 ou nos termos do art. 140, § 3º do Código Penal, como crime de Injúria Racial.

 Ambos os dispositivos legais aplicáveis, possuem as mesmas penas: RECLUSÃO DE 1 (UM) A 3 (TRÊS) ANOS E MULTA. 

  1. – Assim, como pode o Juiz distinguir um fato do outro?
 2.1 – No crime previsto no art. 20 da Lei 7.716/1989, (RACISMO) a ofensa dirigida a vítima, tem que ser em relação a coletividade que ela representa, tendo em sua essência uma conotação de ódio. O autor desse delito para ser punido por esta lei teria que praticar a ofensa como os exemplos que passo a expor: 

- Esse bando de pretos devia estar na África; 

- esses nordestinos deveriam morrer de sede no sertão da terra deles, e não vir para o sudeste virar favelados; 

- esses evangélicos deveriam ter suas igrejas fechadas para não disseminarem a covid-19; 

- todos os centros de umbandas deveriam ser queimados; 

- os Chineses não deveriam entrar no Brasil porque foram os responsáveis pela pandemia; 

- os Japoneses, raça de amarelos, são maus; 

- Os nazistas estavam certos em exterminarem os Judeus. 

Esses exemplos configuram, sim, o delito previsto no art. 20 da Lei 7.716/1989 – CRIME DE RACISMO COM CONOTAÇÃO DE ÓDIO! 

Em tais casos, a AÇÃO PENAL É PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO, CONTRA O AUTOR DO DELITO, E SE INICIA POR DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 

2.2 - No entanto, quando a ofensa é dirigida a uma pessoa determinada, como no caso dos torcedores atleticanos, no Mineirão, em que a ofensa se deu entre o autor e uma vítima específica, quando o autor/ofensor diz: “não põe a mão em mim, não, olha a sua cor!” tem-se que a ofensa foi dirigida a uma determinada pessoa, àquela vítima em especial. Logo o delito é de INJÚRIA RACIAL PREVISTO NO ART. 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO, QUE PUNE ESSA AÇÃO, COM A MESMA PENA DO CRIME DE RACISMO. OU SEJA: 

RECLUSÃO DE 1 (UM) A 3 (TRÊS) ANOS E MULTA. 

2.3 – O problema aqui, não é a punição, pois em ambos os casos a pena é a mesma. A diferença é que no crime de injúria racial, do art. 140, § 3º, do Código Penal, a AÇÃO PENAL É PRIVADA E SE INICIA POR MEIO DE QUEIXA-CRIME, E TEM PRAZO DECADENCIAL DE 6 (SEIS) MESES. 

2.4 – Na injúria racial é a VÍTIMA QUE TEM QUE CONTRATAR UM ADVOGADO E PROPOR A AÇÃO PENAL CONTRA OS AUTORES DO CRIME, DENTRO DO PRAZO DE SEIS MESES. 

2.5 – Nesse caso, não pode o Ministério Público propor a ação penal no lugar da vítima, conforme ocorreu. Se assim proceder a denúncia será anulada, em razão do Órgão Ministerial, não poder ser o autor dessa ação penal, sendo a vítima a pessoa responsável para tanto. 

Infelizmente, isso NÃO OCORREU NO LAMENTÁVEL EPISÓDIO ENTRE OS TORCEDORES DO ATLÉTICO E O SEGURANÇA DO ESTÁDIO DO MINEIRÃO NAQUELE FATÍDICO DIA. 

Assim, esta Magistrada está com sua consciência tranquila de ter cumprido com seu dever jurisdicional, de forma imparcial. 

Conforme colocado na sentença esse tipo de postura dos torcedores é plenamente reprovável, não vejo em tais atitudes algo aceitável, na medida em que somos todos iguais, biologicamente falando, bem como, em relação a nossa Constituição. 

O que observo nesse tipo de comportamento de algumas pessoas, no meio social é a falta de educação, a falta de respeito pelo seu semelhante e, principalmente, a falta de amor ao próximo, sentimentos que hoje vemos, infelizmente, desprezados pela nova modernidade. 

Penso que viver em sociedade, implica em respeito as diferenças, em todos os setores de uma comunidade que se julga civilizada. 

Estudos antropológicos, descrevem que uma sociedade só é considerada civilizada, quando cada componente desta se preocupa com o outro, porque o ser humano precisa do outro para sobreviver. Isso só pode acontecer quando as pessoas se respeitam, se amam e entendem que sozinhos não somos NADA e NADA REALIZAMOS! 

Lei nenhuma editada, irá parar tais iniquidades, e casos semelhantes a este certamente irão aportar nas mãos de nós julgadores e causarem polêmicas sobre nossas decisões, porque quaisquer penas aplicáveis, não surtirão efeitos educativos aos envolvidos se seus caráteres não forem restaurados pela educação, respeito e amor ao seu próximo. 

Trago aqui à colação a história do UBUNTU é uma palavra africana que significa uma filosofia e uma ética antiga que diz, “sou, quem sou, porque somos todos nós”.

O conhecimento dessa palavra se deu por um missionário que reuniu muitas crianças para uma brincadeira e colocou um cesto cheio de doces perto de uma árvore e disse às crianças. Se agrupem e quando eu disser já corram, que pegar o cesto, ficará com os doces. 

As crianças ficaram lado a lado e quando o missionário disse já, elas se deram as mãos e uma disse UBUNTU TIO! e correram juntas, chegaram juntas e dividiram os doces. 

Então disseram para o missionário que nenhuma delas seriam felizes se apenas um ganhasse os doces, porque ninguém é feliz sozinho, todos somos iguais e precisamos uns dos outros para que a felicidade aconteça. 

ENTÃO, UBUNTU A HUMANIDADE, E QUE DEUS NOS DÊ A COMPREENSÃO DESSE SIGNIFICADO EM NOSSAS VIDAS. 

Com tais esclarecimentos espero ter atendido aos anseios jornalísticos, mas me coloco à disposição, caso queiram mais detalhes, seguindo o espírito democrático de informar e de certa forma prover a sociedade de conhecimento jurídico dessa matéria.

  

Luziene Medeiros do Nascimento Barbosa Lima.

Juíza de Direito titular da 6ª Vara Criminal de Belo Horizonte