Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Live debate relações do direito brasileiro com o internacional

Atividade permitiu interação do público com expositor e mediador


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Tela mostra participantes de live
O professor Lucas Lima (embaixo, ao centro), e, em sentido horário a partir dele, a desembargadora Sandra Fonseca, a desembargadora Mariangela Meyer, o 2° vice-presidente, desembargador Tiago Pinto, o diplomata Santiago Pinto e o juiz Pedro Câmara Raposo Lopes

A pandemia tem mostrado, de forma dolorosa, a necessidade de enfrentar problemas de forma global e em observância a parâmetros internacionais de defesa da vida, da saúde, do respeito mútuo e da paz. Os juízes devem, portanto, procurar conhecer e utilizar ferramentas que possibilitem assegurar tais direitos.

Esse foi um dos assuntos abordados pelo professor de Direito Internacional Público Lucas Carlos Lima, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Intitulada “Relações entre o Ordenamento Brasileiro e o Ordenamento Internacional”, a exposição, que fez parte do ciclo de aulas magnas da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), contou com mediação do juiz Pedro Câmara Raposo Lopes.

O estudioso Lucas Lima falou sobre a aplicação de normas internacionais, especialmente os tratados dos quais vários países são signatários, na ordem jurídica brasileira. De acordo com o especialista, os juízes devem aprender a adotar essas deliberações e interpretar os tratados internacionais quando deparam com questões às quais eles são pertinentes.

Na abertura, o superintendente da Escola Judicial, desembargador Tiago Pinto, afirmou que se tratava de um mergulho num complexo de normas jurídicas reguladoras das relações entre estados, que constitui “um ramo cardeal do direito público”, o direito internacional.  O 2° vice-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) enfatizou a relevância do tema para o aprendizado dos magistrados e para sua utilização na prática judicante.

Magistrado fala a participantes de live
O 2° vice-presidente do TJMG e superintendente da Ejef, desembargador Tiago Pinto, manifestou sua expectativa com o tema, um "veio relevante do direito público"

Acompanharam as discussões, simultaneamente à exposição, cerca de 400 pessoas, e mais de 800 se inscreveram para participar. Entre os presentes, estavam o 3º vice-presidente do TJMG, desembargador Newton Teixeira Carvalho; a desembargadora Mariangela Meyer, superintendente adjunta da Ejef; a desembargadora Sandra Fonseca; o diplomata Santiago Pinto, subchefe da Divisão do Canadá e do Caribe, magistrados, advogados, estudantes e o público em geral.

Vocação internacional

Lucas Lima afirmou que o Judiciário mineiro mostra, historicamente, vocação para o debate sobre o direito internacional, como se pode constatar com o professor Antônio Augusto Cançado Trindade, atualmente na Corte Internacional de Haia, o jurista Francisco Rezek e o advogado e diplomata José Sette Câmara Filho, que também foram representantes do Brasil na mesma instituição.

O pesquisador destacou, porém, que, entre várias abordagens possíveis, estava particularmente interessado na posição do juiz e do papel dos tribunais nacionais diante do ordenamento internacional, porque esse campo, que já foi considerado “exótico” e mais afeito ao exercício da diplomacia, se torna cada vez comum nos jornais e no cotidiano dos julgadores.

Para exemplificar, ele citou a ADPF 780, que invoca o regramento internacional para tratar de questões de direito ambiental, a saber, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima) e políticas públicas relacionadas. O estudioso citou ainda o desastre de Mariana (2015), que envolveu companhias multinacionais e está sendo julgado pela Justiça inglesa, e a acalorada discussão sobre o cumprimento das determinações da Organização Mundial de Saúde (OMS) em meio à crise sanitária.

Profissional de saúde realiza teste de covid-19
O impacto das recomendações da OMS foi citado como fonte de polêmica em torno do direito internacional e nacional

A explanação tratou, entre outros pontos, do engajamento do direito interno com o internacional, da acolhida e da hierarquia entre os tratados internacionais, as constituições e demais leis nacionais, do controle de convencionalidade e, finalmente, de uma breve análise da jurisprudência do TJMG que toca a matéria, que se mostra plural e variada.

Desafio representativo

“Muito do direito internacional acontece quase inteiramente no interior das nossas cortes nacionais e superiores, mas também nas normas aplicadas por juízes da mais longínqua comarca", enfatizou Lucas Lima, acrescentando que cada julgador, nesse sentido, representa o próprio país no colóquio jurídico entre as nações.

O professor argumentou que os magistrados devem buscar integrar os saberes da legislação local, da contribuição de outros estados e daquela que prevalece sobre eles, para zelar pelo cumprimento de compromissos firmados pelo país, para enriquecer a tradição pátria com tendências e conquistas de origens diversas, para não perder a oportunidade de influenciar o direito internacional com seu pensamento.

Edição da Constituição de 1988
A Constituição Federal brasileira abriga a temática do direito internacional, diferentemente do que ocorre em outras nações

Dessa forma, os juízes se mostram os principais responsáveis pela efetivação do direito internacional e pela diplomacia judiciária do Estado brasileiro, mas, na difícil tarefa de equilibrar os dispositivos legais e de saber que norma empregar e em que situações fazê-lo, eles precisam conhecer bem esse instrumental.

“Estados temos quase 200, cada qual com sua estrutura legal, mas o direito internacional é um só”, afirmou o expositor, lembrando que a nossa Constituição cita os tratados e acordos em vários artigos, e que há diferentes posturas dos países em relação a essas normas, que podem ou não ser mencionadas nas Cartas Magnas, tendo ou não sua prevalência ou inferioridade estabelecida no texto.

Engajamento

O modelo de interação entre o direito internacional e o interno pode basicamente variar entre a evasão e o evitamento, o alinhamento e a resistência ou rejeição. Mas, de modo geral, embora exista alguma abertura, muitos autores, de acordo com Lucas Lima, veem o Brasil como mais fechado e mais avesso a assimilar o direito internacional.

Os impasses são ligados a questões de soberania nacional, à ingerência internacional e a alguma desconfiança, que torna o comportamento de nosso País, conforme o pesquisador, oscilante ou pendular, com aproximações e afastamentos.  

Audiência de custódia
As audiências de custódia são um exemplo de conformidade do ordenamento nacional com regras internacionais humanitárias

O primeiro tipo de comportamento se caracteriza pelo fato de ignorar a norma internacional, seja empregando leis nacionais com princípio semelhante, com a justificativa de que a abrangência global não se aplica, seja adotando apenas as determinações cuja aceitação está pacificada pelas cortes superiores.

No segundo, o alinhamento, existe uma adesão do magistrado ou corte à proposta internacional, com a decisão colocando lado a lado jurisprudência nacional e internacional, aplicando diretamente a norma ou endossando-a de alguma forma, como ocorre com o exame e apropriação do Pacto Internacional de San José, na Costa Rica, por exemplo.

Na resistência ou contestação, não se incorpora o contributo internacional em benefício do entendimento legal nacional, em decorrência da avaliação do julgador. É o caso de estratégias de combate ao terrorismo, que por vezes desconsideram tratados de direitos humanos em nome de questões de segurança, ou da rejeição das recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos em nome da manutenção da Lei da Anistia. 

Assista ao conteúdo integral da live aqui.

Participantes

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Lucas Carlos Lima é professor adjunto de Direito Internacional na UFMG, onde leciona também no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito. Mestre em Direito e Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSC e doutor em Direito Internacional pela Universidade de Macerata (Itália), foi pesquisador visitante no Centre of Excellence for International Courts (iCourts – University of Copenhagen).

Pedro Câmara Raposo Lopes é pós-graduado em Direito de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Foi procurador e procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, além de procurador regional da Fazenda Nacional da 1ª Região.