Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Garantia da convivência familiar é tema de live

Atividade integra encontros em comemoração aos 30 anos do ECA


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O juiz José Honório de Rezende, a desembargadora Mariangela Meyer, o juiz José Roberto Poiani, a desembargadora Valéria Rodrigues Queiroz, o professor Pedro Hartung e o desembargador Tiago Pinto participaram do debate

A garantia da convivência familiar enquanto prioridade absoluta para crianças e adolescentes foi o tema de live realizada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) nesta quarta-feira (29/7). O encontro virtual foi o primeiro, de uma série de três, em celebração aos 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Com transmissão ao vivo pela internet, os debates são uma realização conjunta da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) e da Coordenadoria da Infância e da Juventude (Coinj) do Tribunal estadual mineiro.

Abriram a atividade o 2º vice-presidente do TJMG e superintendente da Ejef, desembargador Tiago Pinto, e a superintendente da Coinj, desembargadora Valéria Rodrigues Queiroz. A abertura foi acompanhada ainda pela superintendente adjunta da escola judicial, desembargadora Mariangela Meyer.

Ao dar as boas-vindas aos participantes do encontro virtual, o 2º vice-presidente declarou que há muito o que comemorar nesse marco dos 30 anos da lei, observando que as discussões envolverão entidades, a escola e pessoas comprometidas na evolução de concepções modernas que foram criadas em torno do tema. “Aqui, estamos tratando de educação”, observou.

A desembargadora Valéria Rodrigues Queiroz também ressaltou o valor da educação para o desenvolvimento de uma sociedade, exaltando, nesse sentido, a importância da parceria da Coinj com a Ejef. “É investindo na nossa educação e na formação continuada dos formadores de opinião que conseguiremos modificar nosso País. Não há outro caminho”, declarou.

Os temas das lives não foram escolhidos de maneira aleatória, explicou a desembargadora. “O objetivo foi promover reflexões e discussões sobre assuntos fundamentais, como a importância da convivência familiar para a formação que desejamos para as crianças e os adolescentes em situação de risco. Que possamos contribuir para a modificação de comportamentos e ações”, ressaltou.

No encontro desta quarta-feira, atuaram como debatedores o juiz José Roberto Poiani e o advogado e professor doutor Pedro Affonso Duarte Hartung, coordenador do programa Prioridade Absoluta no Instituto Alana.

Tema caro à infância

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Para o  juiz José Honório de Rezende, há ainda muitos desafios, como definir um modelo do direito infantojuvenil no Brasil

A mediação ficou a cargo do juiz José Honório de Rezende, que parabenizou os realizadores do evento, afirmando que os 30 anos do ECA precisam também se estabelecer “como um marco histórico na caminhada longa e difícil que é a construção de direitos envolvendo crianças e adolescentes”.

Antes de passar a palavra aos debatedores, o magistrado teceu comentários sobre as três décadas de surgimento do direito infantojuvenil no Brasil. “Muitas conquistas foram alçadas e aprimoramentos foram realizados. Mas há ainda muitos desafios a enfrentar. Precisamos pensar um modelo de direito infantojuvenil que se consolide a partir do devido processo legal e de seus princípios fundamentais”, observou.

Destacando que a convivência familiar como garantia absoluta é um tema “extremamente caro” à infância, citou Guimarães Rosa — “quando uma criança nasce, a vida começa novamente” — para destacar que a família é a mais importante organização da vida. “É uma organização natural, que consolida nossa formação afetiva e permite criar condições para o desenvolvimento e o aprimoramento constante da vida humana e da nossa humanidade”, afirmou.

Rede de proteção

As discussões foram iniciadas com a apresentação do juiz José Roberto Poiani, titular da Vara da Infância e da Juventude de Uberlândia e integrante da Coinj. Em sua fala, ele traçou um panorama a respeito da legislação atual, mostrando a discrepância entre o que está posto no Direito e o que está sendo verificado na prática. Falou ainda sobre as conquistas nesse campo, nas últimas três décadas.

O magistrado iniciou abordando a realidade brasileira antes do estatuto, destacando a importância da Constituição Federal de 1988, que estabelece as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos. E observou que o ECA veio disciplinar em detalhes o previsto na carta constitucional. Contou ainda que o estatuto sofreu mais de 30 alterações, desde seu surgimento, de maneira a torná-lo mais efetivo e atualizado.

Entre outras legislações sobre o tema, destacou a Lei 12.010, de 2009, que dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para a garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pelo ECA; a Lei 13.509, de 2017, sobre adoção; e a Lei 13.257, de 2016, o chamado Marco Legal da Primeira Infância, que tem como foco as políticas públicas para a primeira infância.

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O juiz José Roberto Poiani, titular da Vara da Infância e da Juventude de Uberlândia, mostrou discrepâncias entre o que está posto no Direito e a prática

Citou ainda a Lei 13.431, de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e, entre outras legislações, a recomendação conjunta, de abril deste ano, que dispõe sobre cuidados a crianças e adolescentes com medida protetiva de acolhimento, no contexto de transmissão comunitária do novo coronavírus, em todo o País.

O magistrado destacou, em especial, o artigo 227 da Constituição Federal, que determina ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, uma série de direitos, além de “colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

No ECA, explicou o juiz, a questão da prioridade absoluta é explicada no artigo 4º. Ali está expresso que a garantia da prioridade compreende primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; e destinação privilegiada de recursos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e juventude.

O juiz Poiani destacou também o artigo 19 do estatuto, que dispõe sobre o direito da criança e do adolescente de ser criado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, “assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral”.

Entre outros aspectos, o juiz mostrou dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 16 de julho de 2020, que revelam haver hoje no Brasil 31.479 crianças/adolescentes acolhidos. “O ECA prega a convivência familiar, mas temos hoje mais de 30 mil crianças e adolescentes privados disso. O acolhimento institucional tem seus momentos de necessidade, mas muitos municípios sequer contam com isso”, declarou.

Além de destacar o valor imensurável da convivência familiar para o desenvolvimento das crianças e adolescentes, o juiz Poiani ressaltou a importância do diálogo entre as diversas instituições para o tratamento da questão, bem como de uma política pública de atendimento, por meio de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais. “Uma rede de proteção não é tecida apenas com leis, mas com as nossas mãos”, afirmou.

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Os debatedores ressaltaram a convivência familiar e comunitária como um dos direitos mais importantes para o desenvolvimento da criança e do adolescente

Absoluta prioridade

“A convivência familiar e comunitária é um dos direitos mais importantes para a criança e para o seu desenvolvimento infantil. Se tem algo que poderíamos destacar, no que diz respeito à natureza da criança e do adolescente e, na verdade, da própria humanidade, é nosso direito de conviver com outras pessoas”, declarou o professor Pedro Hartung, ao iniciar sua apresentação.

No caso da criança e do adolescente, o professor reforçou o direito da convivência com pessoas de sua idade, com adultos, com a própria família e com a comunidade. “É isso que nos torna seres humanos, o fato de nos relacionarmos, de convivermos: nosso direito de encontrar uns aos outros nos espaços sociais e familiares. Isso é a pedra fundamental de todo o desenvolvimento infantil”, considera.

Em sua apresentação, o pesquisador falou sobre a história dos direitos das crianças no Brasil, destacando a constituinte de 1988, que foi construída por meio de um amplo processo de participação popular e envolveu também as crianças. “Elas se organizaram pelo Brasil para participar diretamente desse processo; já estavam ali, como partícipes da história constitucional jurídica do País”, observou.

O debatedor destacou as articulações que aconteceram no Brasil inteiro, no processo de redemocratização que marcou a constituinte de 1988, e que permitiu a organização de uma série de direitos que estruturam hoje a sociedade brasileira e o olhar jurídico e social que existe atualmente no País para crianças e adolescentes.

Ele salientou a força do artigo 227 da Carta Magna. “É o artigo mais importante da Constituição Federal, ao estabelecer a criança, o adolescente e o jovem como ´absoluta prioridade´. Nós, como comunidade de valor e comunidade jurídica, escolhemos proteger esse grupo social com absoluta prioridade. Isso é um dever, não é um princípio”, destacou.

Aos participantes da live, o professor levou várias reflexões, como o questionamento sobre aquilo que define qual é o melhor interesse da criança em um processo, com segurança, garantido o contraditório. “Esses são desafios que enfrentamos cotidianamente; precisamos olhar para isso com critérios, inclusive jurídicos”, pontuou.

Sobre o surgimento do ECA, o professor indicou alguns pontos estruturantes que ele traz, como o de enxergar a criança e o adolescente como sujeitos de direito do presente e do futuro e como titulares integrais de direitos fundamentais; a doutrina de proteção integral e especial a esse grupo; a responsabilidade compartilhada e solidária entre Estado, sociedades e famílias; o direito fundamental da criança à absoluta prioridade de seus direitos e melhor interesse, entre outros.

Em sua apresentação, o professor destacou também a desigualdade naturalizada que existe na relação entre adultos e crianças. “Nós as vemos como um ser humano menor, como se elas não tivessem nada a contribuir, inclusive dentro de um processo. Como escutamos, verdadeiramente, uma criança em um processo, sobre uma situação que diz respeito a ela?”, questionou, falando ainda sobre a hegemonia do olhar adultocêntrico.

O valor do cuidado

Além de destacar a importância da primeira infância, trazendo informações de estudos no campo da neurociência, o professor disse que o olhar da sociedade, para com as crianças e os adolescentes, precisa ser de apoio e de cuidado. “Mas, para cuidar da criança e do adolescente, preciso cuidar de quem cuida deles: das famílias, de pais e mães que também estão em situação de vulnerabilidade”, avaliou Pedro Hartung.

Isso inclui também o cuidado com quem lida com esse público infantojuvenil dentro de instituições de acolhimento, em creches e em escolas. “Precisamos cuidar também dos juízes de infância e juventude, dos promotores, de psicólogos e assistentes sociais, ou seja, de quem cuida dos espaços relacionais de infância. Isso vai garantir a qualidade do serviço que é prestado a esse grupo e a suas famílias”, afirmou.

O debatedor deixou também uma reflexão sobre o conceito de negligência. Para ele, a falta da conceituação desse termo é fonte para a aplicação, de forma ruim, da destituição familiar. “A negligência é o que decide se um pai ou uma mãe são negligentes ou não. Por isso, é fundamental definir esse conceito. Deixá-lo em aberto permite a projeção de preceitos individuais”, disse, alertando também o cuidado para que a pobreza não seja criminalizada.

“Uma criança não é sozinha no mundo, por isso a importância da convivência familiar. E ninguém cuida de uma criança sozinha. O apoio da sociedade é essencial. Por isso, muitas vezes, para cuidar das crianças, é preciso cuidar de quem cuida delas”, reiterou.

Após a exposição dos debatedores, foi aberto espaço para discussão e respostas a perguntas enviadas por meio de chat.

Próximas lives

Destinadas a magistrados, assessores e assistentes de gabinetes, servidores e estagiários do TJMG, bem como ao público externo, as lives irão abordar os avanços e os desafios advindos do ECA.

“Depoimento Especial — sua efetivação na prática e os desafios da criação de fluxo para implementação da Lei 13.431/2017” será o tema de amanhã, quinta-feira (30/7). Atuarão como debatedores os juízes Flávio Umberto Moura Schmidt e Marixa Fabiane Lopes Rodrigues.

A terceira live, na sexta-feira (31/7), versará sobre “Redução da maioridade penal”. Serão debatedores a superintendente da Coinj, desembargadora Valéria Rodrigues Queiroz, o senador Carlos Viana e o professor da PUC Minas Luiz Flávio Sapori, especialista em segurança pública.

Os encontros acontecem sempre das 10h às 12h. Para participar das atividades, que têm vagas ilimitadas, bastará clicar no banner que estará disponível, na data de cada live, na página da Ejef. Mais informações podem ser obtidas na Coordenação de Formação Permanente do Interior (Cofint), pelo e-mail cofint5@tjmg.jus.br.

 

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