"Hoje estou ciente de que temos direitos, não somos animais".
Essa foi a conclusão de R.S.G., uma das 45 pessoas em cumprimento de pena nas comarcas de Unaí e João Pinheiro que reviveram uma experiência aparentemente distante de suas realidades: ir ao cinema, com direito a pipoca. A ação, realizada em unidades prisionais, fez parte da 1ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Sistema Prisional, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com outros órgãos e instituições, de 14 a 18/7.
A programação incluiu a exibição de curtas-metragens da 14ª Mostra Cinema e Direitos Humanos, rodas de conversa e atividades socioculturais e educativas. A estimativa é que foram atingidos cerca de 2,3 mil indivíduos privados de liberdade, em estabelecimentos prisionais femininos e masculinos, com atenção especial a públicos historicamente excluídos, como analfabetos, negros, indígenas, LGBTQIAPN+, idosos e pessoas com deficiência. A participação permite a remição de dias da pena.
Participam da iniciativa a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH), o Ministério das Mulheres, a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI).
A Mostra se insere no Plano Pena Justa, do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, com apoio do Programa Fazendo Justiça, realizado em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e busca a promoção de direitos, da cultura e da cidadania no sistema prisional.
Foram exibidos treze filmes, entre eles: "Confluências" (2024), "Mansos" (2024), "Mborayhu Ñemoheñoi: A Luta das Mulheres Avá Guarani" (2022) e "Marina não vai à praia" (2014). Nos intervalos entre as exibições, os participantes participaram de roda de conversa e, ao final, elaboraram relatórios sobre a experiência.
Transformação
O superintendente do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo (GMF) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador José Luiz de Moura Faleiros, enfatizou o caráter transformador da proposta, que leva a arte a espaços nos quais, habitualmente, o contato com bens culturais é muito restrito.
"A 14ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Sistema Prisional é uma ação inédita voltada à difusão de práticas culturais no Sistema Prisional, configurando uma das iniciativas inovadoras do Plano Pena Justa. O GMF de Minas Gerais endossou prontamente essa realização, atuando na articulação institucional com os magistrados corregedores das unidades prisionais contempladas com a ação, promovendo a valorização da cultura e o exercício da cidadania junto aos indivíduos privados de liberdade".
O diretor regional da Polícia Penal na 16ª Região Integrada de Segurança Pública (16ª Risp), Sílvio Pereira Cardoso Júnior, responsável pelas duas unidades contempladas em Minas, afirmou ver no projeto "a oportunidade de discutir temas importantes e que quase não são abordados com a população carcerária, trazendo momentos de reflexão para os participantes".
"As obras trazem indagações referentes a assuntos que incluem temas como diversidade cultural, intolerância religiosa, valor da família e das amizades, autoestima, autoconhecimento, escolhas de hábitos de vida saudável, sonhos, liberdade, lideranças comunitárias, tragédias ambientais e ganância. Os filmes abordam ainda a situação de exclusão das pessoas que possuem alguma necessidade especial, bullying, além de temas que contribuem para a valorização da ancestralidade e a conexão com a natureza."
Reconstrução
Para a coordenadora do GMF/TJMG, juíza Solange de Borba Reimberg, a 1ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Sistema Prisional é "um ato de reconhecimento de que, mesmo em contextos de privação de liberdade, cada ser humano continua sendo portador de história, de sensibilidade e de possibilidade de transformação".
"O cinema, nesse espaço, não é entretenimento: é ponte. É ferramenta de escuta, de espelho e de reconstrução. A Mostra percorreu 54 unidades prisionais do país, contemplando uma unidade feminina e uma masculina em cada estado. Foram exibidos 13 curtas-metragens nacionais, com facilitadores que mediaram os encontros em quatro sessões de três horas, promovendo reflexão crítica, trocas de ideias e momentos de diversão".
Segundo a magistrada, a orientação para promover práticas sociais educativas, feita pela Resolução nº 391/2021 do CNJ, significa "devolver à pessoa presa o direito de ser sujeito da própria história".
"Esse gesto, que parece pequeno diante da imensidão do sistema, é revolucionário. Quando a arte toca, ela desloca. E, quando desloca, ela permite reimaginar a vida. Quero deixar aqui um agradecimento sincero às equipes aplicadoras, aos profissionais envolvidos e, principalmente, às pessoas privadas de liberdade que participaram, refletiram, emocionaram-se e compartilharam suas vivências a partir dos filmes", destacou juíza Solange de Borba Reimberg.
De acordo com ela, a iniciativa "é uma semente".
"E sementes crescem mesmo no concreto, desde que exista cuidado, luz e sentido. Que esse cinema, que hoje nos emociona, possa ser lembrado por cada participante como um marco de recomeço. Porque é possível, sim, reconstruir a própria história e romper com os ciclos da reincidência que, tantas vezes, se perpetuam por ausência de oportunidade. E é dever nosso – como Estado, como Justiça e como sociedade – garantir caminhos reais para essa reconstrução", concluiu.
Oportunidade
As atividades ocorreram nos dias 15 e 16/7 na Penitenciária Agostinho de Oliveira Júnior (Paoj), com a participação de 20 internos. Estiveram presentes a pedagoga da Diretoria de Ensino e Profissionalização, Rejane Cândido; o diretor da 16ª Risp, Sílvio Pereira; o subdiretor de Atendimento, Euler Brandão dos Santos; e o subdiretor de Segurança, Rogério Barbosa.
A juíza Mônika Alessandra Machado Gomes Alves, titular da Vara de Execuções Penais, Precatórias Criminais e de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Unaí, salientou a relevância da iniciativa para motivar os detentos em sua trajetória de retorno ao seio da sociedade e de busca de motivação para atravessar os desafios do encarceramento.
"Registro nosso reconhecimento e elogio à iniciativa de exibição de filmes para pessoas privadas de liberdade. A ação representa um importante passo na promoção da dignidade humana, proporcionando momentos de cultura, reflexão e socialização dentro do ambiente prisional".
De acordo com a magistrada, mais do que entretenimento, a exibição de obras cinematográficas "tem o poder de despertar emoções, ampliar horizontes e instigar processos de autorreflexão e responsabilização".
"Trata-se de uma ferramenta valiosa no processo de ressocialização, ao oferecer novas perspectivas e fortalecer vínculos coletivos entre os participantes. Iniciativas como essa demonstram sensibilidade social e compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Que esse exemplo inspire outras ações transformadoras nos mais diversos espaços", afirmou juíza Mônika Alves.
O juiz Jessé Alcântara Soares, da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de João Pinheiro, também considerou a iniciativa relevante e capaz de motivar e estimular as pessoas em cumprimento de pena. No Presídio de João Pinheiro (PJP), participaram 20 mulheres privadas de liberdade, no dia 18/7.
"A iniciativa é muito importante no processo de ressocialização das reeducandas, até porque os filmes trazem uma temática reflexiva que dialoga com a dura realidade delas. Os desafios que enfrentam são inúmeros, passando da solidão do cárcere à posterior estigmatização das egressas do Sistema Prisional. Era perceptível que elas estavam muito contentes por participar da mostra de cinema, e que gostaram especialmente da mensagem final, que falava de esperança. Fica o agradecimento ao GMF, à Corregedoria do TJMG e ao CNJ pela ideia e pelo trabalho junto às reeducandas em João Pinheiro".
Retorno positivo
Depoimentos dos internos da unidade de Unaí expressaram o reconhecimento de que o contato com a arte e a cultura permitem que eles pensem sobre as próprias escolhas e sobre modos de se desenvolverem como pessoas.
"Há 15 anos, estou preso. Passei por três penitenciárias, mas só aqui descobri o que é a ressocialização. Pude assistir a filmes baseados em fatos da vida real e fazer perguntas sobre o que vimos às pedagogas. Falamos sobre como será quando sairmos deste lugar. Assim realmente se ressocializa o preso. Quero agradecer a todos pela oportunidade", disse A.S.A.
"Minha compreensão é que nossa ancestralidade é importante. Pude aprender que cada história é escrita todos os dias, e posso ser o revolucionário dessa história. Dá para extrair coisas boas de qualquer situação. Quando parece não haver oportunidades, sou capaz de criá-las. Eu posso, eu consigo. Participar de tudo isso é o caminho da reintegração social", afirmou D.P.B.
"Aprendi nesses curtas-metragens várias formas de ver como é a vida do próximo, as dificuldades, os acertos e as alegrias. A vida nunca para. Independentemente de qualquer coisa, há tempo para fazer melhor, fazer diferente. Temos que continuar a sonhar sempre, acreditar que podemos chegar lá, sem pisar em ninguém, sem maltratar ninguém. Não precisamos ter tudo, o pouco basta, e todos somos iguais", destacou V.A.A.V.
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