Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Apac de Santa Luzia forma contadores de histórias

Evento também teve o lançamento do livro "Caminhos e Contos: a ressocialização pela palavra"


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Recuperandos acompanham cerimônia na Apac Masculina
Recuperandos se prepararam para elaborar e narrar histórias com os professores Sandra Lane e Wilmar de Oliveira (Crédito: Riva Moreira/TJMG)

Quarenta recuperandos da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Santa Luiza, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, se tornaram nesta segunda-feira (7/2) contadores de história.

Eles concluíram o curso oferecido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por meio da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) e do Programa Novos Rumos. A iniciativa integra o projeto "Caminhos e Contos: a ressocialização pela palavra". 

O objetivo é promover a ressocialização por intermédio do incentivo à leitura e à escrita, e também possibilitar o surgimento de novos replicadores entre os recuperandos.

A formatura de contadores de história em Santa Luzia foi também resultado da expansão da experiência bem-sucedida do projeto-piloto realizado na Apac feminina de Belo Horizonte. 

Nesta segunda-feira também foi lançado o livro Caminhos e Contos: a ressocialização pela palavra, composto de contos e adivinhas das 32 recuperandas da Apac de Belo Horizonte. As narrativas foram desenvolvidas durante oficinas ministradas pela pesquisadora, contadora de histórias e servidora aposentada do TJMG Rosana de Mont’Alverne Neto. A organização coube à Diretoria Executiva de Gestão da Informação Documenta (Dirged).

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O 2º vice-presidente do TJMG e superintendente da Ejef, desembargador Tiago Pinto, destacou o importante papel da Apac na humanização da pena de recuperandas e recuperandos, por meio de trabalho, estudo e profissionalização (Crédito: Divulgação/TJMG)

No evento, que ocorreu em formato semipresencial, conectando as unidades das Apacs na capital e em Santa Luzia a diversos participantes por meio de videoconferência, o superintendente da Escola Judicial Edésio Fernandes, desembargador Tiago Pinto, representou o presidente do TJMG, desembargador Gilson Soares Lemes.

De acordo com 2º vice-presidente do TJMG, a empreitada de levar poesia e arte a pessoas em privação de liberdade sempre lhe pareceu desafiadora e até “quixotesca”. Por isso, ele disse ter se surpreendido de observar a convergência de sua percepção com o pronunciamento do presidente Gilson Lemes, que rememorava justamente as lições do cavaleiro andante dom Quixote de La Mancha, criação do espanhol Miguel de Cervantes. 

“O texto dizia que os que se viram numa encruzilhada que os conduziu ao cárcere, com todos os contornos dramáticos que essa experiência pode trazer, devem lembrar, como o cavaleiro da triste figura, que não há mal ou tempestade que dure para sempre. E o método Apac oferece possibilidades para que novos ventos dirijam suas trajetórias para a renovação. Com esse projeto, buscamos o impossível, sofremos angústias e dúvidas, mas ousamos sonhar e ressignificar traçados que pareciam irreparáveis. Com isso, alcançamos e atingiremos estrelas inatingíveis”, disse.

Potência de mudança

O superintendente da Ejef destacou que as Apac promovem a humanização da pena por meio de trabalho, estudo e profissionalização, empenhando-se em garantir assessoria jurídica e acesso à saúde e incentivando a espiritualidade e o convívio com familiares e a comunidade.

“Elas se pautam pela dignidade, pois o sentido da metodologia apaquiana é transformar vidas, para que as pessoas possam retornar ao convívio social melhores. Os resultados desse método falam por si: nas Apacs, o índice de reincidência criminal é de cerca de 15%, contra uma média de 80% no sistema prisional comum, no Brasil”, argumentou.

O 2º vice-presidente do TJMG salientou sua alegria com os resultados das duas turmas formadas, que frutificaram na publicação lançada hoje, mas também em decisões individuais de reerguer-se, reintegrar-se à sociedade e valorizar-se.  

“Os recuperandos da Apac Masculina de Santa Luzia percorreram a mesma jornada. Na formação como contadores de histórias, usaram o poder da palavra para atingirem um novo patamar de vida. O curso pretendeu ser uma experiência curativa, ao convidá-los à reflexão. A ideia foi criar todo um contexto para que eles olhassem para as pedras que encontraram pelos caminhos, repensassem suas escolhas e pudessem ressignificar suas experiências, projetando novos futuros. Por tudo isso, este é um momento de satisfação para todos nós, e eu me sinto verdadeiramente privilegiado, por poder ser testemunha da conquista dos formandos, que têm enfrentado dias por demais difíceis”, afirmou.

Para o superintendente da Ejef, o Caminhos e Contos é um projeto “auspicioso, audacioso, amoroso e sentimental em sua mensagem”, que surpreendeu mesmo aos idealizadores. “Estou encantado com a articulação, a leveza e a descontração dos artistas formados. É visível que a leitura e a descoberta da literatura libertam a nossa humanidade. E todos estamos condenados à liberdade, como escreve o filósofo Jean-Paul Sartre, pois ela é própria da condição”, concluiu. 

Novos Rumos

De acordo com o coordenador-geral do programa Novos Rumos, desembargador Antônio Armando dos Anjos, celebrar a conclusão da segunda turma de contadores de história é uma satisfação e o sentimento é de gratidão aos parceiros e aos professores. “O projeto possibilitou a qualificação dos recuperandos e o contato com obras valiosas da literatura oral e escrita. Por meio da arte e da educação, eles puderam meditar sobre si e sobre o mundo, além do incentivo à leitura, aos estudos e à busca de um futuro melhor”, destacou.

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Coordenador do Programa Novos Rumos parabeniza recuperando pela formatura (Crédito: Riva Moreira/TJMG)

O magistrado ponderou que a releitura das próprias histórias é um fator que estimulou a entrega e o empenho dos reeducandos e que anima a instituição a expandir a inciativa. “A data de hoje é motivo de orgulho. Os certificados são uma concretização de um percurso singular. Essa proposta, portanto, está plenamente coerente com a humanização do cumprimento da pena, a reinserção e a justiça social, a valorização humana, a educação e o merecimento, premissas da metodologia Apac e do programa Novos Rumos. Desejo ao Caminhos e Contos muito sucesso. Esperamos levar o projeto a outras comarcas em todo o Estado”, defendeu.

O coordenador-executivo do Novos Rumos para assuntos da Apac e presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), juiz Luiz Carlos Rezende e Santos, também comemorou o encerramento de mais um curso, enfatizando que o trabalho em uma Apac é sempre “de muitas mãos”. “A Apac sempre será uma construção coletiva, solidária, marcada pelo respeito e pelo companheirismo”.

O atual presidente da Amagis mencionou magistrados “vocacionados, que se comprometeram ativamente na difusão e robustecimento das Apacs”, reafirmando que a entidade abraça com efusão a proposta e quer multiplicá-la em Minas. “A Apac é marcada pela ternura da caridade e da coletividade”, disse. Dirigindo-se aos recuperandos, ele manifestou admiração pela força e coragem deles. “Não deixem nada destruir a convicção de vocês, cuidem uns dos outros, preservem as histórias, porque lembrar os dias especiais liberta”, afirmou.

Apac Feminina de BH

A recuperanda Aimara Letícia de Souza Freire, que participou da entrega simbólica de um exemplar do livro, ao lado da coordenadora nas oficinas de formação de contadores de histórias do projeto Caminhos e Contos, Rosana Mont’Alverne, da diretora da Apac Feminina de BH, Maria Geralda Vilela Cupertino, e do o diretor-executivo de Gestão da Informação Documental, Fernando Rosa, falou em nome das colegas.

Ela agradeceu a todos os envolvidos no projeto, das equipes do TJMG aos profissionais atuantes na unidade, ressaltando o poder que a experiência teve para dar esperança, motivação e sentido ao período em que elas permanecem na Apac. “Foi muito bom participar do curso. A gente deu risadas, chorou junto, pensou. Concluímos que a leitura e a palavra são oportunidades para o progresso. Agradecemos aos professores, ao time da Ejef, a todos os responsáveis da Apac. Eles mostraram amor, dedicação e profissionalismo em cada interação conosco”, disse.

A oradora disse que a caminhada foi importante para que o grupo pudesse começar a enxergar uma nova perspectiva. Citando uma crônica da psicóloga Flávia Cristina Guimarães Nascimento que mencionava a atitude de fechamento e isolamento dos motoristas no trânsito, ela frisou que é preciso abrir as janelas, metáfora para mostrar a urgência de uma postura de receptividade e acolhida. “Vamos fortalecer essa corrente do bem para modificar e transformar vidas. Não interessa o tamanho do desafio, importa a grandeza da união”, concluiu.

A diretora Maria Geralda Cupertino se declarou emocionada de presenciar essa realização. “Quando nos dispomos a colaborar aqui, não podíamos imaginar que existiria um trabalho dessa grandeza. Por isso, nosso desejo é de cooperar cada vez mais para essas meninas crescerem. Parabenizo-as pela conquista e asseguro que podem contar comigo, estou de coração aberto e quero ajudar. Agradeço ao TJMG pela parceria e apoio, e pelo entusiasmo com que vem buscando a elevação das pessoas em cumprimento de pena”, afirmou. 

Apac Masculina de Santa Luzia

Para o reeducando Hudson Ferreira, que falou em nome dos formandos, a experiência foi gratificante e revelou-se um ensaio para a liberdade. “Alguns recuperandos tinham dificuldade para falar em público, se expressar, achavam que não tinham habilidade para a leitura. Pudemos melhorar em aspectos como a compreensão de textos e a dicção, fizemos contato com poemas e crônicas. Sinto-me honrado e agradecido pela oportunidade”, enfatizou.

O recuperando Luís Henrique de Jesus aproveitou para dizer que a gratidão se materializou em uma gravura de uma coruja, em homenagem ao desembargador Tiago Pinto. O magistrado coleciona objetos de arte que reproduzem a ave, símbolo da sabedoria, da prudência, da concentração e do conhecimento. “Esse presente testemunha o quanto é relevante a ressocialização pela palavra e o quanto cada um dos envolvidos se esforçou e deu o melhor de si para o sucesso do projeto”, afirmou o recuperando. 

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O recuperando Hudson Ferreira foi o orador da turma masculina (Crédito: Riva Moreira/TJMG)

O presidente da Apac Masculina de Santa Luzia, José Maria Miranda, disse que acompanhar o processo foi enriquecedor. “É uma felicidade enorme e um espetáculo impressionante. Meu coração quase não cabe no peito, porque vi esses homens se tornarem meninos de novo, resgatando o que tinham de mais belo e poderoso em suas vidas. Pude ver que eles se lembravam de coisas boas e preciosas que pareciam perdidas e foram recuperadas por meio desse projeto. Esse evento se coroa de honra e glória por tudo isso. Desejo que essas histórias se perpetuem e que ressoem com as famílias de cada um. Que elas sigam apoiando vocês”, propôs.

Presenças

Estiveram presentes, ainda, a desembargadora Mariangela Meyer, superintendente adjunta da Ejef; o coordenador-geral do programa Novos Rumos do TJMG, desembargador Antônio Armando dos Anjos; a juíza Aldina de Carvalho Soares, representando o corregedor-geral de justiça, desembargador Agostinho Gomes de Azevedo; o vice-corregedor-geral de justiça, desembargador Edison Feital Leite; a desembargadora Ângela de Lourdes Rodrigues; a diretora-executiva de Desenvolvimento de Pessoas, Thelma Regina Cardoso; o juiz auxiliar da 2ª Vice-Presidência, Murilo Sílvio de Abreu; a defensora pública Camila Souza dos Reis Gomes, representando o defensor público-geral, Gério Patrocínio Soares; a coordenadora de Desenvolvimento Humanossocial da Ejef, Marília Miranda; os servidores da Escola Valéria Valle Vianna, Paulo Cupaiolo e Leonardo Vianna; a professora da oficina em Santa Luzia, Sandra Lane; o diretor da Apac de Santa Luzia, José Maria Miranda; e a diretora da Apac Feminina de BH, Maria Geralda Vilela Cupertino.

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