Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Curso para juízes mira organizações criminosas

Finalidade é aprimorar conhecimento do tema


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Público acompanhe palestra
Magistrados de 56 comarcas participam do Cjur - Módulo Crime Organizado

Mostrando que o Judiciário busca permanentemente atualizar-se, cerca de 100 magistrados se reuniram na noite de ontem, 16 de maio, no auditório do Anexo I do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), para assistir a uma palestra sobre delação premiada.

Proferida pelo procurador da República e professor de Direito Penal, Processo Penal e Eleitoral, Patrick Salgado Martins, a exposição abriu o Curso de Aperfeiçoamento Jurídico e Gerencial para Magistrados (Cjur) – Módulo Organização Criminosa. Veja o currículo.

O grupo debate, ao longo desta sexta, algumas das mais recentes discussões sobre justiça criminal e troca experiências sobre sua atuação diária nesse campo. O evento é uma realização da Escola Judicial desembargador Edésio Fernandes (Ejef) do TJMG, que tem como foco o desenvolvimento humano e técnico de magistrados e servidores.

O objetivo da capacitação é fornecer aos magistrados ferramentas práticas e conhecimento teórico para que eles possam reconhecer evidências concretas de crimes organizados, aplicando a lei e processando os meios de obtenção de prova.

Aperfeiçoamento

Segundo a 2ª vice-presidente e superintendente da Ejef, desembargadora Áurea Brasil, a formação foi elaborada a partir de demanda dos próprios magistrados, que foram consultados sobre matérias de seu interesse e pontos em que gostariam de se aperfeiçoar, num formato que otimizasse recursos e tempo.

Desembargadora Áurea Brasil discursa em auditório
A 2ª vice-presidente, desembargadora Áurea Brasil, inaugurou os trabalhos

“Infelizmente, a logística do crime organizado tem se tornado cada vez mais sofisticada e articulada, através de técnicas de expansão e lucratividade similares às de grandes empresas. Com estrutura capilarizada e hierarquizada, essas organizações exigem esforços integrados do sistema de justiça criminal”, declarou.

A desembargadora Áurea Brasil defendeu que, para fazer frente às organizações criminosas, é preciso empregar todos os instrumentos disponíveis: tecnológicos, de infraestrutura e processuais, e, ainda, “a adequada e célere comunicação entre os órgãos encarregados da prevenção e repressão da criminalidade”.

“Nós magistrados temos a missão de impedir a perpetuação da impunidade, demonstrando que a lei prevalece sobre o poderio econômico de tais organizações criminosas. O bom funcionamento da democracia depende da confiança do cidadão nas instituições e na crença de que o Judiciário é o guardião do estado democrático de direito”, concluiu.

Veja o álbum de fotos no Flickr.

Instituto secular

Em sua exposição, o procurador da República Patrick Martins tratou do que ele classificou como vários equívocos e preconceitos comuns sobre a delação premiada, além de apresentar jurisprudência variada sobre o tema e comentá-la.

O primeiro senso comum questionado é sustentar que se trata de uma inovação jurídica. “Podemos dizer, antes, que é um instrumento antigo potencializado nos nossos dias”, avalia.

Procurador Patrick Salgado
O procurador da República Patrick Salgado Martins

De acordo com o mestre e doutorando em Direito pela Universidade de Sevilha, a oferta de benefícios à pessoa que participou de um crime e deseja apontar cúmplices e contribuir para a investigação, a responsabilização e a punição dos culpados data das Ordenações Filipinas (1595), no Brasil Colônia.

O instituto contemplou ninguém menos que Joaquim Silvério dos Reis, o qual, tendo-se inicialmente juntado aos inconfidentes, posteriormente reportou o movimento à Coroa Portuguesa e recebeu perdão judicial.

“Após um longo hiato, o assunto volta a aparecer em 1990, na Lei dos Crimes Hediondos, e é consolidado em 2013, com a Lei Anticorrupção”, conta.

Mas, nesse intervalo, houve normas voltadas para o combate, por meio dessa ferramenta, do crime organizado, fiscal e financeiro (1995) e da lavagem de dinheiro (1998), para a proteção de testemunhas e do colaborador da justiça (1999), envolvendo o tráfico de drogas (2006) e a prática de truste (2011).

O procurador frisou que, de lá para cá, os benefícios foram se diversificando: à redução de pena se juntaram as chances de obter regime inicial menos gravoso, perdão judicial, medidas de proteção e segurança, substituição por penas restritivas de direito, entre outras.

Acordo penal

Outro lugar-comum que Patrick Martins procurou derrubar foi a noção de que a delação premiada foi associada a prisões, para forçar os acusados a falarem. Isso porque a medida é um acordo penal, como a transação penal, a suspensão condicional do processo, o acordo de não persecução penal.

“Relatórios divulgados pelas equipes da operação Lava Jato e pelo ministro Luiz Edson Fachin informam que em cinco anos, apenas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, mais de 70% dos acordos de colaboração envolveram réus soltos. Atualmente, apenas 8% dos delatores seguem presos, e, dos 163 condenados, 40% são colaboradores”, argumentou.

O instrumento, conforme o procurador da República, tampouco é uma moda ou tendência, mas foi tema de discussão da Organização das Nações Unidas (encontros em Palermo e Mérida) e da União Europeia, sendo assimilado nas legislações norte-americana, alemã, espanhola e italiana.

“Na verdade, o Brasil assinou, voluntariamente, tratados e convenções internacionais que preveem a adoção da delação premiada. Existe uma pressão mundial para a redução e o enfrentamento de crimes de corrupção, pois eles causam prejuízos sociais e empresariais consideráveis”, explicou.

Meio de obtenção de prova

Mais um aspecto inverídico, muito difundido com o auxílio da imprensa, segundo o pesquisador e professor, é a ideia de que a delação resultou, sozinha, na condenação de indivíduos.

“Os tribunais superiores e as cortes federais vêm firmando o entendimento de que a colaboração premiada tem valor como meio de obtenção de prova, mas é insuficiente se estiver desacompanhada de outros elementos probatórios. Isoladamente, ela não condena ninguém”, esclarece.

Segundo o estudioso, outras visões errôneas são que o incentivo para indicar corresponsáveis pode gerar acusações falsas e injustas, e que a pessoa que opta por essa modalidade de acordo fica desamparada.

“Uma das condições da colaboração premiada é a efetiva contribuição para a apuração dos crimes. Ela é diferente da confissão, na qual a pessoa reconhece a própria atuação. Na delação, a pessoa precisa ser autor ou participante, e deve apontar outros envolvidos. Além disso, a delação exige a assistência do colaborador por um advogado”, afirma.

Ele acrescenta que, por lei, os delatados não têm legitimidade para questionar a validade do acordo de colaboração, mas podem confrontar as declarações em juízo e as provas apresentadas. Pelo princípio da economia processual, o material resultante pode ser compartilhado em outras ações, e também impugnado.

Direitos e deveres

Por se tratar de um negócio jurídico, no qual cada parte visa a objetivos distintos, a delação premiada desafia os operadores do Direito e requer prudência e inteligência, pois pequenos deslizes podem comprometer a vantagem do acordo.

“A confiabilidade do delator não é um requisito. Mas falar a verdade – com a renúncia ao direito ao silêncio – é uma obrigação do colaborador. Assim, se ficar provado que houve mentira, a pessoa pode incorrer em denunciação caluniosa”, diz Patrick Martins.

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O prejuízo financeiro decorrente da corrupção, segundo o palestrante, levou a comunidade internacional a pressionar o Brasil a aderir à colaboração premiada

O procurador mencionou que nos últimos anos houve um clamor quanto ao vazamento de delações como ameaça ao direito de acusados. Mas ele pondera que todo acordo é sigiloso até o recebimento da denúncia, sendo frequentes os pedidos de advogados de acesso a colaborações.

Apesar de lamentar que esses incidentes ocorram, o estudioso citou julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que entende que o vazamento do acordo não prejudica os delatados, pois lhes dá acesso universal a informações privilegiadas.

O palestrante enfatiza que o colaborador também tem restrições para recorrer da sentença, embora possa se arrepender do acordo e voltar atrás. Todavia, o conteúdo da delação não perde o valor, mesmo que se comprove ter havido má-fé do delator.

Papel do juiz

O procurador da República concluiu ressaltando a importância da figura do magistrado na homologação das delações premiadas, a qual, no Brasil, é bem maior do que nos Estados Unidos, por exemplo, onde o Ministério Público pode fechar a colaboração sem qualquer participação do juiz.

“Aqui, o magistrado não participa das negociações, mantendo a imparcialidade. Cabe a ele assegurar o respeito às garantias constitucionais, atuando como juiz de garantias, e conceder ou recusar os benefícios negociados”, discorreu.

Necessário na homologação do acordo e na concessão de benefícios pela sentença, o juiz pode também revogá-los se houver quebra do compromisso selado. Além disso, ele precisa verificar a legalidade das condições impostas ao colaborador.

“Não podemos aceitar um garantismo monocular, isto é, que olha para a defesa de direitos somente do acusado, é necessário atentar para toda a sociedade”, finalizou.

Curso

Juíza Andreia Cristina dá aula a juízes
Na manhã desta sexta, magistrados analisaram estudos de caso, tendo como instrutora a juíza Andréa Cristina de Miranda Costa

A capacitação apresenta uma parte a distância, com aulas ministradas pelos juízes Andréa Cristina de Miranda Costa e Thiago Colnago Cabral, e tarefas presenciais, como estudo de casos, também  com os dois profissionais, que têm vasta experiência nos temas.

Magistrado de pé diante de tela de apresentação de slides
O juiz Thiago Colnago Cabral é facilitador nos módulos presencial e a distância

Entre os tópicos a serem explorados, estão a nova criminalidade e os desafios ao exercício da jurisdição, o tratamento normativo da criminalidade organizada no Brasil, o conceito de organização criminosa e institutos afins, meios auxiliares como a interceptação telefônica, o sigilo bancário e fiscal, a colaboração premiada, a figura do agente infiltrado e possibilidades e obstáculos trazidos pelas novas tecnologias.

Enfam

Após uma reformulação, o curso foi credenciado na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). Até o momento, todos os oito cursos encaminhados pelo TJMG à Enfam alcançaram o reconhecimento solicitado.

A Enfam regulamenta, autoriza e fiscaliza os cursos para ingresso, vitaliciamento e promoção na carreira de juízes e desembargadores, acompanhando o alinhamento e o cumprimento de suas diretrizes pedagógicas pelas escolas das cortes estaduais.

Presenças

Mesa de autoridades em abertura de evento em auditório
Autoridades na abertura do Cjur: capacitação contou com a presença de integrantes da mesa diretiva do TJMG e da Ejef

Compuseram a mesa de honra, além da desembargadora Áurea Brasil e do palestrante, o juiz convocado Glauco Eduardo Soares, representando o presidente, desembargador Nelson Missias de Morais, o 1º vice-presidente, desembargador Afrânio Vilela, a superintendente adjunta da Ejef e membro do comitê técnico, desembargadora Maria Luiza de Marilac, e a desembargadora Kárin Emmerich, também integrante do comitê técnico da escola.

Prestigiaram o evento, ainda, o juiz auxiliar da 2ª Vice-Presidência, Luis Fernando de Oliveira Benfatti, e a diretora executiva de Desenvolvimento de Pessoas, Ana Paula Andrade Prosdocimi da Silva, e a coordenadora pedagógica da Ejef, Daniela Arantes Corrêa, entre outros servidores da Ejef.