Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Encontro discute intervenção precoce na convivência familiar

Traumas causados a crianças e adolescentes podem ser evitados


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O psicanalista francês Nazir Hamad ressaltou a importância do acompanhamento da mulher, desde a gravidez, para o futuro promissor da criança

"Vínculo e trauma: a importância da intervenção precoce" foi o tema abordado no último dia das lives que registraram o Encontro de 30 anos do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que focou a convivência familiar como prioridade absoluta. A iniciativa foi uma realização da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) e pode ser acessada na plataforma do YouTube. 

O psicólogo e psicanalista francês Nazir Hamad foi o palestrante virtual da live, que aconteceu no sábado (26/9). Ele iniciou sua exposição observando que, no decorrer da criação de filhos, surgem situações complexas, que necessitam de respostas rápidas e adequadas. Essa resposta rápida, contudo, é impossível, ressaltou o psicanalista.

Em sua palestra, ele defendeu a ideia, desenvolvida a partir de sua experiência clínica, de que a criança só se torna humana quando é educada e tratada como humana. Se não for, será um mamífero qualquer, desprovido de sentimentos.

O psicanalista afirmou ter constatado essa situação quando tratou de crianças adotadas, criadas nos países do leste europeu, em um momento histórico marcado pela rigidez da política nessas regiões. Naquela oportunidade, ele percebeu que esses pequenos humanos haviam perdido todos os traços que deveriam humanizá-los.

“Aquelas crianças urravam. Não conseguiam se expressar. Haviam perdido o reflexo de atividades humanas”, argumentou. Assim, o trabalho com elas foi complexo, uma vez que era preciso apresentar a humanidade a elas. Daí, a importância dos pais adotivos e dos acolhedores se dedicarem às vidas desses meninos e meninas para que se adaptassem a uma nova realidade, pontuou o psicanalista.

Bem cedo

Nazir Hamad defendeu a ideia de que a criança não é uma propriedade dos pais ou do Estado; ela é uma hipótese do outro, porque precisa que alguém aposte na sua humanidade: ela tem um universo particular, que deve ser preservado e respeitado.

Na visão do psicanalista, se os pais biológicos e/ou aqueles que fizerem a adoção intervierem de forma abrupta e sem critérios, nos primeiros momentos, essas crianças perderão seus traços particulares e se tornarão frágeis. Somente colocar uma criança no mundo não torna os genitores pais e mães. 

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O encontro reuniu vários profissionais que atuam no campo da infância e da adolescência

O trabalho com a criança e sua preparação para que ela se torne independente começa cedo. Segundo Nazir Hamad, o início de uma nova vida está diretamente relacionado ao momento da gravidez da mulher. É a partir daí que a vida da criança começa a ser projetada.

Trata-se de um período muito delicado. Principalmente, quando a mulher é sozinha ou não tem infraestrutura para dar seguimento à gravidez, disse. “Um bom cuidado com a criança começa com o cuidado com a mãe”, frisou. É nesse momento que ela precisa de todo apoio material e psicológico, até para a doação da criança, se for o caso.

Abandono 

Nazir Hamad lembrou que muitas crianças se lançam no mundo da delinquência, do cometimento de crimes, porque foram excluídos os laços familiares no início de suas vidas. 

Muitos jovens são perseguidos e abatidos do mesmo modo como se exploram espécies animais. São submetidos a uma dupla pena, porque foram abandonados enquanto criança e condenados pela máquina repressora do Estado.

Ele descreveu então crianças que acompanhou. Muitas demonstravam abandono com o outro e estado de marasmo e apatia, citou.

O psicanalista comentou que, quando juízes impõem acolhimento ou retirada da criança do convívio de alguns pais biológicos, com lastro em relatórios de psicólogos e assistentes sociais, a decisão não é uma sanção, mas uma proteção.

Juízes, psicólogos, assistentes sociais, defensores públicos, promotores e técnicos não devem se ver como adversários: eles são parceiros na busca da proteção integral da criança.

Esses pais, às vezes, não entendem o que fazem e o mal que produzem no crescimento da criança.

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A psicóloga judicial Anapaula Rinaldi Romão falou sobre a necessidade de minimizar danos a crianças e adolescentes 

Pais acolhedores

As intervenções tardias provocam danos à formação das crianças. O psicanalista disse que os pais acolhedores podem auxiliar na normalização dos laços das crianças com os pais, a fim de garantir proteção a elas.

Na avaliação do expositor, talvez eles não ocupem o lugar da mãe biológica, mas podem ser fundamentais nos estágios iniciais, que irão conduzi-las a um caminho seguro para se tornarem pessoas com boa formação.

Para os profissionais que atuam no trabalho de acompanhamento das crianças, Nazir Hamad disse: “Enquanto garantidores de direitos das crianças, devemos utilizar a técnica sem perder a sensibilidade humana para conduzir os trabalhos de forma menos traumática à criança e sua família”.

Nazir Hamad destacou que a chegada de uma criança muda os pais, que já não podem mais ser os mesmos de antes da chegada de um filho ou de uma filha. Para muitos, conforme disse, uma criança frustra o cotidiano deles. Pode-se assim estabelecer uma relação de amor e ódio, até mesmo recíproca.

Como estabelecer essa convivência? Esse é um desafio, disse o profissional francês. Ele acrescenta que, a cada experiência de vida, o amor deve ser incentivado. Os pais devem entender que a criança deve ocupar seu lugar enquanto um ser humano que merece ser cuidado. "Ela depende do resultado dos nossos atos", disse.

Reflexão

A psicóloga judicial Anapaula Rinaldi Romão coordenou os trabalhos no sábado. Ela destacou a necessidade de todos os profissionais envolvidos na questão da criança e do adolescente se empenharem para minimizar danos, como direitos violados, maus-tratos, abandono, entre outros.

A profissional ressaltou que o psicanalista trouxe uma novidade aos debates, que não havia surgido ainda nas discussões do encontro — a questão da intervenção precoce. Ela destacou a fala do palestrante, que enfatizou que cuidar de uma criança é também se preocupar com a mulher grávida. "Um bom cuidado com a criança começa com o cuidado com a mãe", citou ela.

A psicóloga judicial lembrou que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) possui o programa Entrega Legal e sugeriu incluir esse elemento novo nas discussões do programa: a importância de preparar a mulher que não tem consciência da própria fragilidade frente à chegada desse filho.

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O juiz Ricardo Rodrigues de Lima disse que o evento que abordou os 30 anos do ECA produziu novos conhecimentos para os participantes

O juiz Ricardo Rodrigues de Lima, da Vara da Infância e da Juventude de Juiz de Fora e um dos idealizadores do seminário, frisou, no encerramento da live, a importância dos temas debatidos ao longo de quatro dias da semana. “Fica para todos uma reflexão de que devemos investir em política pública para um trabalho pré-natal bem executado. Hoje, há uma política, mas muito focada na assistência médica”, disse. 

Embora exista assistência social e psicológica, essa atividade precisa ser reforçada, porque apenas com iniciativas como essas será possível uma verdadeira intervenção precoce, a fim de se detectar se a família merece o crédito e o investimento para prosseguir na maternidade ou paternidade ou se, de forma antecipada, é preciso já se caminhar para a família substituta. Com isso, será possível minimizar o trauma nos acolhimentos na primeira infância, na avaliação do magistrado.

Ao final, o juiz Ricardo Rodrigues assim se expressou: “Saímos desse evento com muito conhecimento agregado, troca de experiência e mais fortes para enfrentarmos as dificuldades e os desafios em favor daqueles que tanto precisam de nossos trabalhos, que são as nossas crianças e os nossos adolescentes". 

A tradução simultânea foi feita por Ronaldo Chicre Araújo. Também estavam presentes na live o juiz José Roberto Poiani, da Vara da Infância e da Juventude de Uberlândia; a presidente da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Sara Vargas; e a assistente social Angélica Gomes, entre outros.  

Veja a palestra na íntegra.

 

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