Mesmo atrás dos muros, 27 recuperandos analfabetos e semianalfabetos da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Santa Luzia seguraram lápis, contornaram letras em cadernos e aprenderam a ler e escrever. Na quarta-feira, 30 de abril, eles receberam um diploma que os tornam aptos a certificar-se e obter o histórico escolar de 1a a 4a série do ensino fundamental.
São os frutos colhidos após a adoção na Apac de Santa Luzia do projeto Retomada. De forma inovadora, a proposta e a execução do projeto foi desenvolvida por um recuperando alfabetizado com maior escolaridade, que, após capacitado, ajudou o colega a aprender os códigos de leitura e escrita de nossa idioma.
Com apoio do Programa Novos Rumos, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), os 27 recuperandos aprenderam ainda noções da organização social e política do nosso país, de saúde pública, de matemática, entre outros.
O recuperando Lindelson Gomes da Silva foi um dos “formandos”. Antes de fazer o curso era analfabeto. Passados cerca de 12 meses, agora diz que realizou um de seus sonhos, pois, após muito esforço e dedicação, aprendeu a ler e escrever, o que, segundo ele, vai lhe proporcionar novas oportunidades de aprendizado.
“Não vou parar com esta conquista. Vou procurar novas oportunidades e, agora que já sei ler, vejo um caminho mais fácil a percorrer para concluir outros cursos. Não me sinto só alfabetizado, mas me considero uma pessoa melhor e mais solidária”, disse o recuperando.
Respeito e solidariedade
Um dos recuperandos que atuou como professor, Gualter Scardini, muito emocionado, disse que conviveu no início de seu trabalho com muitas dificuldades. Contudo, por ter feito um curso de capacitação (patrocinado pela Apac de Santa Luzia e pelo Programa Novos Rumos), acredita que obteve êxito em sua meta. “Além de ensinar aos recuperandos a leitura e a escrita, conseguimos difundir os conceitos da amizade, do respeito e da solidariedade.”
A coordenadora do Retomada, professora Ayrdes da Luz Siqueira Alves de Assis, conhecida por todos como Brisa, explica que o grande diferencial do método apresentado é que todo o conteúdo é trabalhado com passos pontuais e aprimorado de acordo com o avanço da turma. “Os professores e alunos, ambos recuperandos exercitam hábitos de disciplina, responsabilidade, cooperação mútua. Adquirem o que chamamos de competência de ordem pessoal, ou seja, aprender (no caso a ler e escrever) compreender-se e aceitar-se”.
Posteriormente, um professor da escola estadual Professor Leon Renault, de Belo Horizonte, apresentará aos 27 recuperandos uma avaliação de conhecimentos gerais. Se aprovados, os recuperandos irão receber o histórico escolar de 1ª a 4a série do ensino fundamental.
Hoje, até filosofam
Brisa fez questão de elogiar a determinação dos recuperandos. “Foram pessoas extremamente dedicadas e comprometidas com as etapas do Retomada. Hoje, até filosofam. Foi um trabalho voluntário feito com amor. Partimos da crença de que até no comportamento mais rebelde do ser humano há um ponto sensível. Cabe ao educador encontrá-lo.”
Presente à solenidade de formatura dos recuperandos, o coordenador do Programa Novos Rumos, desembargador Jarbas Ladeira, disse que é fundamental a existência de projetos como o Retomada, que investem na valorização do ser humano. “Devemos oferecer oportunidades àqueles que transgrediram a lei, não só para que eles paguem pelo erro, mas também para que voltem ao convívio social como pessoas melhores.”
A solenidade de formatura do curso oferecido pelo projeto Retomada foi conduzida pelo supervisor pedagógico e recuperando, João Paulo de Carvalho Silva. Na abertura do evento, ele fez questão de dizer que os 27 formandos não eram as mesmas pessoas que começaram o curso. “Houve dificuldades. Mas houve, antes de tudo, respeito aos professores. Hoje, eles sabem tomar decisões corretas em cima de valores corretos”, avaliou.
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