Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

TJ confirma reintegração de obra de Aleijadinho ao conjunto de origem

Busto de São Boaventura integrava acervo particular de colecionador paulista


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Busto relicário que foi retirado do conjunto é o primeiro, a partir da esquerda

A 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou a reintegração do “Busto de São Boaventura’ definitivamente ao acervo de origem, sob a guarda do Museu de Aleijadinho e da Arquidiocese de Mariana.

Também declarou a obra como peça integrante do conjunto elaborado por Aleijadinho para a Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto/MG, estando a mesma sob a proteção do Conjunto Histórico de Ouro Preto e pela Lei 4.845/65.

Dessa forma, a decisão confirmou, em reexame necessário, sentença da Comarca de Ouro Preto.

Ação civil pública

Na ação civil pública, o Ministério Público (MP) afirmou que, após denúncia formulada por advogada atuante na Comarca de em Ouro Preto, ficou constatado que o busto relicário de São Boaventura fora desviado de sua origem e estava integrando coleção particular.

A obra, pertencente ao conjunto indissociável formado por quatro bustos em cedro esculpidos por Aleijadinho, para adornar uma igreja ouro-pretana, segundo o MP, teria sido desviada de sua origem e estaria integrando coleção particular.

O MP informou que, após medida cautelar de busca e apreensão, a peça foi localizada na residência do colecionador, que a teria adquirido de outras pessoas.

Esclareceu que o busto chegou a integrar precariamente o acervo do Instituto Histórico de Ouro Preto, sob responsabilidade de Vicente de Andrade Raccioppi.

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Foto que consta do processo mostra o presidente Getúlio Vargas admirando a obra completa de Aleijadinho, no Instituto Histórico de Ouro Preto

Asseverou tratar-se ainda de acordo com o MPR, de obra inalienável, por ser integrante do Monumento Nacional, e pertencer à Igreja de São Francisco de Assis, motivo pelo qual, desde 1938, submete-se ao regime de bens tombados.

Acrescentou que foram feitas intervenções danosas e indevidas na peça, com a colocação de uma argola parafusada e a introdução de um suporte em acrílico.

Na ação, o MP requereu a reintegração da obra de arte ao acervo de origem, sob a guarda da Arquidiocese de Mariana e do Museu Aleijadinho, além de indenização por danos morais coletivos e danos materiais.

Argumentos

Os apelantes (colecionadores) negaram que o busto pertença ao acervo da Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto.

Questionaram a reintegração da posse, determinada pela sentença, em razão de sua incompatibilidade com a Constituição da República de 1891, argumentando que o regime de mão-morta foi extinto a partir de então, de maneira que o busto de São Boaventura poderia, sim, ser comercializado.

Ressaltaram que a peça mencionada não pode ser considerada coisa fora do comércio por ter sido produzida por encomenda feita pela Ordem Terceira de São Francisco de Assis.

E essa entidade religiosa, responsável pela construção da Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, a qual tinha absoluta independência patrimonial em relação à Igreja Católica Apostólica Romana, argumentaram os colecionadores.

Voto

O relator do recurso, desembargador Caetano Levi, observou que a sentença considerou os indícios extraídos da prova produzida são suficientes para concluir que a peça pertence à Igreja Católica Apostólica Romana, razão pela qual determinou sua reintegração ao acervo de origem sob a guarda da Arquidiocese de Mariana e do Museu Aleijadinho.

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Desembargador Caetano Levi, relator do recurso, considerou o conjunto das provas suficientes para considerá-las pertencentes à Igreja Católica

O desembargador observou que ao processo foi juntada a declaração de venda da peça, firmada pelos colecionadores. Ressaltou que o Ministério Público juntou os documentos com informações acerca do processo de tombamento da Igreja de São Francisco de Assis e o dossiê de tombamento do conjunto de bustos relicários.

Segundo o magistrado, o Decreto nº 119-A, de 07/01/1890, proibiu a intervenção estatal em matéria religiosa, consagrou a plena liberdade de cultos e pôs fim ao regime de padroado com todas as suas instituições, recursos e prerrogativas.

 Ao mesmo tempo, reconheceu a personalidade jurídica de todas as igrejas e confissões religiosas, assegurou-lhes o domínio de seus haveres atuais e o direito de adquirir bens e administrar.

Entretanto, os limites postos pelas leis concernentes à propriedade de mão-morta foram mantidos.

Inalienabilidade

Para o desembargador Caetano Levi, ainda que as legislações que se sucederam à Proclamação da República não tenham feito menção expressa às leis de mão-morta, os bens eclesiásticos que estavam sujeitos a este regime peculiar de propriedade durante o padroado mantiveram a característica de inalienabilidade. (Mão-morta são bens fundiários da Igreja antes da República, provenientes de doações, a maioria de fiéis. Tais bens ficavam eternamente na mão da Igreja, não podiam ser tomados por herança).

O magistrado destacou que são convergentes a prova pericial e o laudo da equipe técnica do Laboratório de Ciência da Conservação da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais são convergentes.

Ambos atestaram que a peça objeto da demanda faz parte de um quarteto formado por outros três bustos relicários de santos franciscanos, – veneráveis Dons Scott, Santo Antônio e São Thomas de Aquino –, produzido por Aleijadinho para adornar a Igreja de Francisco de Assis de Ouro Preto.

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Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto

Se a peça foi produzida para adornar a igreja mencionada, ela deveria ter permanecido no local ou encaminhada a um museu público, e não ficar sob domínio de particulares, argumentou.

Ainda em seu voto, o relator observou que, pela análise da prova mencionada, é possível inferir que a peça em questão esteve em poder de particulares por vários anos.

Entretanto, por se tratar de obra produzida por Aleijadinho na parte final do século XVIII, é inegável a sua elevada relevância histórica, artística e cultural. Logo, a peça integra o patrimônio público e faz parte da categoria de bens fora do comércio, motivo pelo qual é insuscetível de apropriação privada por usucapião.

Relativamente ao dano moral coletivo, o magistrado ponderou que não há dúvida de que a população em geral sofreu impactos negativos ao ser privada de usufruir de uma obra de arte de tamanha raridade e importância histórica e cultural.

Todavia, o fato de inexistir nos autos qualquer elemento indicativo de que os apelantes colecionadores tiveram participação na retirada da peça de seu local de origem impede a configuração da responsabilidade civil.

Entendimentos

Por sua vez, o desembargador Raimundo Messias Junior votou pela reforma da sentença, diante da precariedade das provas.

Ressaltou que não negava a relevância da obra para o patrimônio histórico e artístico nacional, tampouco era a favor de deixar o bem desprotegido. O busto de São Boaventura foi tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural e Natural do Município de Ouro Preto, por meio do procedimento administrativo 02/2010.

Já o juiz convocado, Rinaldo Kennedy Silva, acompanhou o voto do relator. Observou que caberia ao particular que se diz proprietário (detentor) do bem comprovar cabalmente que o adquiriu de forma lícita e que a primeira alienação foi legítima, lícita e válida, de maneira a tornar válida toda a cadeia de domínios daí advinda, ônus do qual não se desincumbiu.

Acrescentou que revela-se absolutamente razoável concluir que, por qualquer ângulo que se possa analisar,  a obra de arte pertence ao acervo da Igreja de São Francisco, de sorte que portanto lhe deve ser restituída de forma definitiva, para concretizar o fim a que se presta o patrimônio cultural, sob o enfoque do direito coletivo.

Também os desembargadores Baeta Neves e Marcelo Rodrigues acompanharam o entendimento do relator.

Contexto do conjunto de bustos

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Desembargador Marcelo Rodrigues, que presidiu a sessão, diz que os laudos periciais são claros e provam que a obra é composta por quatro relicários

Em relação à obra de arte, o desembargador Marcelo Rodrigues, que presidiu a sessão, salientou que existem elementos de convicção nos autos que corroboram sua posse originária pela Ordem Terceira de São Francisco de Ouro Preto, visto que se trata de obra produzida, sob encomenda, pelo escultor Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho), ainda no século XVIII.

Ressaltou que, diante disso, não se legitimam as sucessivas e posteriores transferências a particulares sem o devido respaldo legal.

Ainda em seu voto, o desembargador observou que os laudos periciais são claros quanto ao fato de a obra integrar um conjunto de quatro relicários, dadas as características semelhantes às demais, produzidas pelo mesmo escultor.

Acrescentou que, apesar de os colecionadores defenderem que o busto foi adquirido de um antiquário em 1936, não há documentação da alegada aquisição nesse período.

Ouça o podcast com o áudio do desembargador Marcelo Rodrigues:

Citou laudo técnico detalhando o contexto do conjunto de bustos – cada santo doutor tem local específico nas banquetas como demonstração da controvérsia ideológica fundamental entre as duas Ordens Franciscanas, uma sob o prisma da vontade sobre a razão e a outra pautada na primazia da razão sobre a vontade.

Veja a íntegra do acórdão.


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