Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Pesquisadores discutem o papel do Judiciário no direito à moradia

Painel debateu posse e habitação e impacto do Direito na mudança da sociedade


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Roda de conversa em sala acarpetada
Grupo discutiu vários elementos ligados ao problema habitacional, como direito à moradia, atuação do poder público e papel do Judiciário

O painel “Posse e habitação de pessoas em situação de vulnerabilidade”, realizado na manhã desta sexta-feira, 27 de setembro, no Centro de Estudos Jurídicos (CEJ) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), proporcionou uma conversa internacional diversificada, aprofundada e informal sobre o direito à moradia, a responsabilidade social das instituições e a ampliação do acesso à Justiça.

O evento, uma realização da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), reuniu especialistas de diversos centros de ensino, como as Universidades de Barcelona (Espanha), Kent (Inglaterra) e Free State (África do Sul), as Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade de Brasília (UnB).

O desembargador Manoel dos Reis Morais apresentou os participantes: os professores André Luís Freitas Dias (UFMG), Gonçal Mayos Solsona (Universidade de Barcelona), Siddharta Legale (UFRJ), Ana Cláudia Farranha Santana (UnB), Danie Brand (University of the Free State), Helen Carr (Universidade de Kent).

Também estiveram presentes o juiz auxiliar da 2ª Vice-Presidência, Luís Fernando de Oliveira Benfatti, o juiz Sérgio Henrique Cordeiro Caldas Fernandes, o desembargador Raimundo Messias, o assessor técnico-jurídico da Ejef, Thiago Kamon Macedo Hyodo, o procurador Rodrigo Araújo (Advocacia-Geral da União – AGU), entre outros.

Direito e cidadania

Os professores da Faculdade de Direito da UFMG Maria Fernanda Salcedo Repolês e André Dias e a historiadora Regina Helena Alves da Silva, também da UFMG, expuseram o trabalho desenvolvido pelo programa de extensão Polos de Cidadania, que tem mantido, há 24 anos, parcerias com instituições acadêmicas e representantes do poder público para promover o acesso à Justiça e a promoção dos direitos humanos.

Professores sentados em roda discorrem sobre o assunto
A professora Maria Fernanda Repolês (esq.) e a juíza e pesquisadora Helen Carr falaram sobre a parceria entre a Faculdade de Direito da UFMG e a Universidade de Kent

Eles citaram ações em ocupações rurais e urbanas, em comunidades atingidas por desastres ambientais, como Mariana e Brumadinho, e projetos de combate à violência doméstica em escolas. Outros pontos abordados foram a legislação das cidades, o acesso às informações e sua relação com o exercício da cidadania.

Juíza, professora e pesquisadora, Helen Carr, da Universidade de Kent, comentou que a Inglaterra também enfrentou um problema social de grandes proporções com o incêndio na Grenfell Tower, um edifício no Centro de Londres no qual morreram 72 pessoas. De acordo com a estudiosa, o incidente provocou a reflexão dos operadores do Direito sobre a relação de ricos e pobres e a questão da habitação.

A magistrada, que atua em um tribunal voltado para questões habitacionais, reportou que trabalha junto com arquitetos e leigos, o que permite uma visão mais abrangente dos aspectos envolvidos nessas demandas. Ela salientou que sua busca permanente tem sido uma linguagem não técnica e não excludente, tanto na capacitação de magistrados quanto no compromisso público com a clareza e a acessibilidade para o cidadão comum.

Gênero e diversidade

O pesquisador Danie Brand falou de sua experiência como professor e magistrado na África no Sul, onde é possível que a comunidade acadêmica tenha estágios periódicos de colaboração com as cortes de justiça. Segundo o professor, é possível observar muitas similaridades entre o seu país e o Brasil, porque ambos têm sociedades desiguais e muito competitivas, o que cria desafios para a vida em comum e para o bom funcionamento das instituições.

Estudiosos sentados em roda ouvem professor
Da esq. para a dir., os professores Ana Cláudia Santana, Gonçal Solsona, Regina Helena e Siddharta Legale, que falaram sobre o acesso à informação e à Justiça

Brand afirmou que tem havido um impulso, na África do Sul, para dinamizar o Judiciário, como forma de confrontar a desigualdade vigente. Outra meta atual é aumentar a representatividade racial e de gênero nos tribunais e também na academia. Ele defendeu que o contato com sistemas jurídicos e legais de outros países pode ajudar a encontrar soluções e estratégias novas para modificar a exclusão de grupos e fomentar sociedades mais equilibradas.

A integração de diferentes vozes foi, igualmente, o foco da exposição da professora Ana Cláudia Santana (UnB), que dedica suas pesquisas ao domínio do direito e da gestão pública sob uma perspectiva transdisciplinar. De acordo com ela, o cruzamento do ferramental da Ciência Política com a Administração Pública explicita o que a lei tem a dizer sobre a questão habitacional, e a importância fulcral do acesso à informação.

A tomada de decisão e a formulação e execução de políticas públicas são impactadas consideravelmente pelo conhecimento que os agentes envolvidos têm das complexidades que cercam os problemas. Por outro lado, sem informação sobre as situações, as pessoas ficam alijadas. Para a pesquisadora, as populações mais vulneráveis são as que mais sofrem nesse caso.

Corte Interamericana

O professor Siddharta Legale (UFRJ) tratou de suas investigações sobre a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O estudioso afirmou que as instituições de ensino historicamente procuraram focar a proteção dos grupos vulneráveis, negligenciando o diálogo com o Estado. Além da efetivação de direitos, é preciso atentar para a execução de políticas públicas, objeto de condenações do Brasil que resultaram em importantes conquistas para a população.

Legale ressaltou a necessidade de uma educação para os direitos humanos e celebrou o recente convênio selado entre o Curso de Direito da UFRJ e a Organização dos Estados Americanos (OEA), que resultou na criação de uma rede de diálogo permanente. Essas entidades, segundo o pesquisador, pressionam os países-membros a procurar uma resposta que vá além da reparação material, alcançando políticas públicas de excelência e a dignidade humana.

O professor defendeu um diálogo interinstitucional mais sólido para resolver situações cuja densidade exigem um trabalho conjunto. O Judiciário, na visão de Legale, tem relevância fundamental no diagnóstico dos problemas, na fiscalização e no monitoramento de respostas do poder público, sempre respeitando a legalidade e a separação entre os poderes.

Todos os juízes hoje pertencem à Corte Interamericana, argumentou. Ele disse que não se trata de Direito Comparado, mas normas às quais todos estão sujeitos, porque o Brasil é signatário de pactos internacionais. Para Legale, todos os magistrados, e não apenas o Supremo Tribunal Federal, estão obrigados a ser guardiões do direito interamericano.

Filosofia como “saber sem casa”

Afirmando que se sentia homeless (sem teto) no debate, uma vez que ali se reuniam magistrados e advogados, o professor Gonçal Mayos Solsona, de Barcelona, destacou que a Filosofia, que já foi considerada a mãe de todas as ciências, atualmente é um saber que não tem casa e precisa buscar abrigo. Felizmente isso pode acontecer em uma habitação vasta como o Direito, afirmou.

Solsona mencionou o conceito aristotélico de philia, que, segundo ele, não se limita à tradução habitual de "amizade", mas tem uma relação forte com a vivência da solidariedade, da confiança, do pertencimento, do senso de compromisso em uma comunidade e mesmo da vida cidadã. Essa noção desemboca na noção de pátria e exige que também as instituições estabeleçam laços de entendimento e proximidade.

Para o pesquisador, o Judiciário se tornou importantíssimo na sociedade contemporânea, que é caótica, atravessada por antagonismos sociais e políticos profundos. Nesse cenário, argumenta, facilmente se ameaça a philia. O Poder Judiciário tem a responsabilidade de oferecer, manter e reforçar o nomos compartido, isto é, a democracia. Cabe aos magistrados, hoje, defender a justiça e combater a injustiça, pontuou.

O estudioso ponderou que a pessoa comum continua confiando no Judiciário como a primeira trincheira a resguardar seus direitos, a entidade capaz de satisfazer a necessidade de ela ser ouvida, reconhecida e respeitada. Para Solsona, as sociedades de nossa época, "poderosas, indiferentes e violentas", dependem do Judiciário, que não pode se calar, pois, se o fizer, todo o Estado sofre.

Ele concluiu declarando que o papel da filosofia é de integração, diálogo, confronto útil e amistoso com as grandes ciências, tornando-se uma porta-voz de todos aqueles que não têm uma casa luxuosa (concreta e metaforicamente falando) e reclamam seu espaço.

 

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