Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Pesquisa avalia violência no sistema prisional em Minas

TJMG é um dos parceiros do estudo de vitimização, pioneiro no País


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Os resultados do dignóstico foram apresentados na sede do TJMG nesta quinta-feira (25/6), véspera do Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura

Os resultados do primeiro estudo de vitimização da violência contra os presos, realizado no Brasil, foram apresentados ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) nesta quinta-feira (25/06), véspera do Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU).

A radiografia buscou retratar a dinâmica, a frequência e os elementos que compõem os fenômenos da violação de direitos humanos e de atos de tortura no sistema prisional de Minas Gerais.

O Judiciário mineiro foi um dos parceiros do estudo, ao lado da Associação Voluntários para o Serviço Internacional do Brasil (AVSI Brasil), do Ministério Público de Minas Gerais, da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC) e da Sapori Consultoria em Segurança Pública, agente executor da pesquisa.

“Uma pesquisa como essa, com esse olhar, ainda não havia sido feita no Brasil. As informações contidas nesse diagnóstico precisam circular pelo País afora, pois se trata de um estudo de grande magnitude, que pode nos orientar a melhorar cada vez mais o sistema”, destaca o presidente do TJMG, desembargador Nelson Missias de Morais. 

O chefe do Judiciário mineiro observa que muitos dos dados coletados pelo estudo já eram do conhecimento daqueles que atuam no sistema criminal. “Mas precisávamos de um olhar mais científico para essa questão, que pudesse nos dar uma base melhor para trabalharmos e, por que não, até para montarmos uma política para essa área, em nível nacional.”

Para o presidente Nelson Missias, um aspecto destacável da pesquisa foi o fato de os pesquisadores terem ido “até o sistema mais humanizador do cumprimento de pena”, as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs), para realizar o estudo. “Dessa maneira, a pesquisa revela os dois espelhos: o sistema convencional e o apaquiano”, declara. 

“A pesquisa mostra uma diferença muito gritante entre um sistema e outro. E quando você prospecta essa informação em um lugar onde esse indivíduo se sente mais seguro, onde ele já sentiu outra forma de tratamento, ele se liberta mais e pode oferecer à pesquisa um dado mais real”, observa.

Na avaliação do presidente do TJMG, o olhar humanizante para o sistema prisional é fundamental. “E nós o temos, no Judiciário mineiro. E, no dia de hoje, damos mais um passo importante nesse sentido com a inauguração e a ampliação de mais duas Apacs; uma terceira será inaugurada no domingo”, afirma, acrescentando que ao longo de sua gestão foram inauguradas cerca de dez Apacs. 

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O vice-presidente da AVSI Brasil, Jacopo Sabatiello; o presidente do TJMG, Nelson Missias; e o secretário adjunto de Justiça de Minas Gerais, Gustavo Henrique Wykrota Tostes

Humanização da pena

O vice-presidente da AVSI Brasil, Jacopo Sabatiello, destaca também o fato de a pesquisa ser pioneira no Brasil, bem como os caminhos que ela pode apontar. “De um lado, ela pode fornecer dados científicos, recomendações e diretrizes para o aprimoramento da política pública penitenciária; de outro lado, pode promover um debate maduro sobre tratamento penitenciário e segurança pública de forma geral”, avalia.

O gestor da entidade observa que a elaboração do estudo, assim como a campanha de produção de máscaras por recuperandos de Apacs, para combater a pandemia do novo coronavírus, são resultado de uma parceria entre a AVSI e o TJMG, com o objetivo de promover a humanização da pena. 

“Humanização da pena sobretudo por meio da consolidação das Apacs em Minas, no Brasil e em toda a América Latina. Trata-se de uma parceria inserida em uma aliança intersetorial e internacional que envolve poder público, iniciativa privada, organizações da sociedade civil e organismos internacionais como a União Europeia”, acrescenta.

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O presidente Nelson Missias avalia que as informações contidas na pesquisa precisam circular pelo País, dada a magnitude do estudo

A pesquisa 

A apresentação dos dados foi feita pelo sociólogo especialista em segurança pública Flávio Sapori, que coordenou o estudo. Iniciada em agosto de 2019, a pesquisa foi desenvolvida ao longo de aproximadamente 10 meses junto à população carcerária de homens e mulheres cumprindo pena em 13 Apacs de Minas Gerais. 

Foram entrevistados 1.374 recuperandos e 146 recuperandas — todos eles com significativa experiência de vida no sistema penitenciário convencional e acumulando diversas passagens por unidades prisionais, até chegarem a uma unidade Apac.

O sociólogo explicou que, além de traçar um diagnóstico sobre a incidência e as principais características da violência e dos maus-tratos no interior das prisões, o estudo analisa, por meio das entrevistas, as relações de causa e efeito dos fenômenos investigados.

O estudo também identifica aspectos positivos do cumprimento de pena nas Apacs e mapeia as oportunidades de melhoria, propondo também medidas e diretrizes para a elaboração de políticas públicas. 

“A concepção de violação de direitos e de violência foi bem ampla. Nós consideramos violação de direitos e maus-tratos não apenas a violência física, mas também consideramos o fenômeno do ponto de vista da qualidade das assistências oferecidas aos presos”, explicou Sapori. Ao final da pesquisa, foi analisada a percepção dos presos em relação às Apacs, na comparação com o sistema comum.

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O TJMG foi um dos parceiros do estudo, ao lado da AVSI Brasil, do Ministério Público de Minas Gerais, da FBAC e da Sapori Consultoria em Segurança Pública

Melhoria do sistema prisional 

O secretário adjunto de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais, Gustavo Henrique Wykrota Tostes, que acompanhou a apresentação do estudo, destacou que todas as contribuições para a melhoria do sistema prisional são muito bem-vindas. “Parte do que foi diagnosticado e recomendado na pesquisa já está sendo implementado por este governo”, disse.

De acordo com o secretário adjunto, os maiores avanços ocorrem na questão da transparência na gestão do sistema prisional. Citou ainda outros aperfeiçoamentos recentes, alguns que ainda precisam ser feitos, em especial no que se refere à assistência à saúde. 

“Os resultados da pesquisa são muito interessantes e têm muito a colaborar para a melhoria do sistema prisional”, ressaltou, destacando que os esforços para isso devem envolver diversos parceiros e também a sociedade civil, para que os presos possam retornar melhores à sociedade.

Também acompanharam a apresentação o desembargador Armando dos Anjos, coordenador-geral do programa Novos Rumos do TJMG; o juiz auxiliar da Presidência Luiz Carlos Rezende e Santos; o diretor executivo da FBAC, Valdeci Ferreira; o assessor especial da Procuradoria-Geral de Justiça de Minas, promotor Rafael Moreno; e o defensor público Fernando Luís Camargos Araújo, coordenador da área criminal da capital. 

Resultados

Entre outros pontos, a pesquisa revelou que, para 51,3% dos entrevistados, a quantidade de comida que recebiam nos presídios convencionais não era suficiente para a sua necessidade, e 73,03% classificaram as refeições como péssimas ou ruins.

No que diz respeito à qualidade da infraestrutura das celas, para a grande maioria (92,3%) o espaço era insuficiente e a temperatura inadequada (94,8%) e sem presença luz natural (88,2%). Os banheiros eram ruins ou péssimos para 85,2%, com relatos de situações degradantes. 

O estudo apontou que a assistência à saúde — atendimento médico, odontológico e psicológico — “tem sido negligenciada em todas as perspectivas”: mais da metade dos entrevistados afirmou não ter tido assistência quando precisou, sendo a odontológica a mais negligenciada.

Um total de 26,5% dos recuperandos indicou que recebia com frequência medicamentos controlados para ficar mais calmo, reduzir o estresse ou dormir, com 48,9% deles relatando terem se tornado dependentes de alguns desses remédios — fenômeno mais acentuado entre as mulheres. 

“A precariedade da alimentação e das condições físicas das celas, somada às deficiências das assistências à saúde, culmina na elevada incidência de doenças entre os presos no sistema prisional convencional”, registra a pesquisa.

O estudo revelou também outras falhas: 93% afirmaram não ter tido a oportunidade de realizar cursos profissionalizantes durante o tempo no sistema convencional, e 75% informaram não ter tido chances de estudo na maior parte desse período. Quase 70% não tiveram oportunidades de trabalho. 

 

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A pesquisa foi apresentada pelo sociólogo, especialista em segurança pública e professor da PUC-Minas Flávio Sapori, que coordenou o estudo

Violência institucional 

“Evidência fundamental é a de que as situações mais comuns de violência nas prisões envolvem a ação de funcionários, especialmente policiais penais, contra os internos. As agressões físicas perpetradas por funcionários do sistema prisional convencional foram mencionadas pela maioria absoluta dos presos”, revela o documento.

Entre outros indicadores, um deles revela que cerca de 85% dos entrevistados disseram ter sido vítimas de pelo menos uma das formas de agressão física elencadas no questionário: 53% responderam ter sofrido agressões químicas com spray de pimenta frequentemente; outros foram vítimas de disparos de balas de borracha (20,7%), tapas e socos (17,5%), chutes (16,1%) e pauladas (7,7%). 

“Faz parte do pacote de situações degradantes e humilhantes a que os presos são submetidos um procedimento muito comum dentro do sistema prisional brasileiro, qual seja, retirá-los da cela em qualquer situação e colocá-los juntos, determinando que se dispam e fiquem juntos por horas, em alguns casos até dias (...)”, relata o estudo.

Além das agressões físicas, a pesquisa indicou que as ameaças também fazem parte do cotidiano no sistema prisional convencional e apontou que as revistas de celas correspondem a um dos momentos de grande tensão no dia a dia dos presídios. 

Dezoito por cento dos entrevistados indicaram que já haviam sido colocados, como forma de punição, em algum tipo de confinamento de solitária em cela escura ou sem ventilação adequada por mais de 15 dias.

As agressões físicas ocorrem também entre os próprios presos, contudo se dão em patamares bastante inferiores ao verificado na relação da equipe da penitenciária com os presos. A explicação para isso, observa o relatório, estaria na prevalência de uma “sociedade dos cativos” no interior do sistema prisional. 

O relatório explica que, dentro da sociedade dos cativos, “a violência é utilizada como mecanismo de controle social entre os internos”; por outro lado, ela garante a segurança física dele durante o cumprimento da pena, “desde que seus ditames sejam cumpridos”.

O estudo traz ainda informações sobre violência contra as mulheres presas, indicando maior proporção de agressões físicas perpetradas umas contra as outras e menos violência e maus-tratos por parte de funcionários do sistema, em comparação com os homens. 

Fatores impactantes e recomendações

A pesquisa realizou também testes estatísticos para verificar em que medida a qualidade das assistências recebidas pelos presos e presas, além dos respectivos perfis sociais, impactavam a chance de serem vítimas de algum tipo de violência física ou maus-tratos. E traz ainda indicadores sobre denunciação da violência sofrida.

Quanto às Apacs, a pesquisa apontou que a avaliação das assistências providas nas unidades é superior às do sistema prisional convencional. Em quase todos os tipos de assistências, as avaliações “muito melhor” e “melhor” são superiores a 90%, exceto “assistência médica” e “assistência odontológica” — respectivamente 89% e 78%. 

Em quesitos como alimentação, saúde física, segurança física e oportunidades de trabalho, a avaliação positiva nas Apacs “está próxima dos 100%”, confirmando, segundo o estudo, “quão melhor é a qualidade das assistências providas pelas Apacs comparativamente às assistências providas pelo sistema prisional convencional.”

A partir dos dados, o documento traça recomendações diversas, como a profissionalização das carreiras dos grupos especializados, o fortalecimento das ouvidorias e a rigorosa aplicação de medidas administrativas para reduzir a impunidade dos responsáveis pela prática de tortura. 

Recomenda ainda uma gestão prisional transparente com base em dados e fatos, a realização e a divulgação de estudos periódicos de vitimização com detentos em todo o estado e a divulgação de mecanismos como ouvidoria e corregedoria para a população carcerária e seus familiares.

Também recomenda a ampliação do número de visitas de inspeção do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura e de outros órgãos legalmente constituídos para a fiscalização dos presídios, a gestão compartilhada de prisões com a sociedade civil e a ampliação das Apacs no Brasil, entre outras recomendações.

 

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