Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Evento debate impacto da pandemia no Direito e na Economia

Parceria do TJMG com a FGV Direito Rio contou com palestra da ministra do STF Cármen Lúcia


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Vista da mesa de honra do Auditório Pleno
Evento discutiu os efeitos da pandemia no direito e na economia (Crédito: Mirna de Moura/TJMG)

O Seminário Direito e Economia no Pós-Pandemia, realizado na quinta-feira (12/5), apresentou um panorama dos problemas e questões relacionados à crise sanitária que ganhou o mundo e 2019 e ainda perdura. O evento, encerrado com palestra da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, foi uma parceria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por meio da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), e da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio). 

Fruto do Projeto de Difusão de Conhecimentos em Direito, Economia e Justiça, o seminário foi realizado em formato híbrido, com transmissão pelo YouTube e atividades presenciais, no Auditório do Tribunal Pleno, no Edifício Sede. Foram mediadores dos trabalhos os juízes Mariana de Lima Andrade e Sérgio Henrique Cordeiro Caldas Fernandes.

Compuseram a mesa de honra o superintendente da Ejef e 2º vice-presidente do TJMG, desembargador Tiago Pinto, representando o presidente Gilson Soares Lemes; o diretor da FGV Direito Rio, Sérgio Guerra; a superintendente adjunta da Ejef, desembargadora Mariangela Meyer; o juiz auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça, Carlos Márcio Macedo, representando o corregedor-geral de Justiça, desembargador Agostinho Gomes de Azevedo; a juíza Mariana Andrade; o procurador do Estado do Paraná Vinícius Klein; o professor da FGV Direito SP Luciano Benetti Timm; o juiz Sérgio Henrique Fernandes; o professor da FGV Direito Rio e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS), Luca Belli; a professora da Universidade de Brasília (UnB) e advogada Amanda Flávio de Oliveira; a procuradora do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Juliana Domingues.

Parceria

Na abertura, o desembargador Tiago Pinto afirmou que é importante que o Direito mantenha-se atento às transformações do mundo. “Os fatos sociais são objeto de relações econômicas e  jurídicas. Esses ramos do saber estão intensamente conectados nas suas abordagens e nas suas implicações. Nesse encontro, vamos discutir temas recorrentes na vida do magistrado, principalmente nos últimos anos: os reflexos da crise sanitária na economia e na regulação da vida social. Além de aparentes, eles são vividos e experimentados diuturnamente”, afirmou.

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O professor Vinícius Klein falou dos efeitos da pandemia nos contratos privados (Crédito: Mirna de Moura/TJMG)

Segundo o superintendente da Ejef, a colaboração com a FGV se mostrou bastante produtiva. “A Ejef ofereceu, por essa parceria, um ciclo de quatro cursos, totalizando 160 horas-aula: Introdução ao Direito e Economia; Direito, Economia e Mercados; Direito e Economia: indivíduo e sociedade; Direito e Economia: regulação e novas tecnologias. Este seminário coroa de êxito todo o programa, em que se buscou o aprofundamento da compreensão sobre o tema e a aplicação do instrumental econômico na análise do Direito”.

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O desembargador Tiago Pinto destacou os frutos da cooperação da Ejef com a FGV (Crédito: Mirna de Moura/TJMG)

O professor Sérgio Guerra agradeceu a acolhida no TJMG e na Ejef. “Gostaria de externar minha alegria pela parceria, sobretudo porque vamos tratar de um tema bastante complexo. Este seminário é um desdobramento do curso que realizamos em 2021 e trouxe muitos debates e reflexões”, disse.

O diretor da FGV Direito Rio salientou que o enorme impacto da pandemia chegou rapidamente à Justiça. Por isso, é fundamental que o Poder Judiciário se qualifique, com conhecimentos múltiplos, para responder a essas necessidades. “O Estado precisa ser eficiente, portanto devemos buscar as ferramentas para aperfeiçoar nossas decisões”, argumentou.

Mesa de honra de evento no auditório do Tribunal Pleno
O professor Sérgio Guerra frisou a necessidade de maior eficiência nas decisões (Crédito: Mirna de Moura/TJMG)

A juíza Mariana Andrade, mediadora, disse que sua experiência como tutora do curso em parceria com a FGV foi muito enriquecedora e que a proposta do evento já foi para ela um grande alento, por focar o momento em que a pandemia começa a ser considerada superada. O juiz Sérgio Fernandes, também responsável pela mediação de um painel, ressaltou que o cenário pós-crise sanitária precisa ser analisado com um olhar sensível aos impactos na cidadania e no exercício dos direitos.

Contratos privados

O procurador do Estado do Paraná Vinícius Klein, falando dos efeitos da pandemia sobre contratos privados, afirmou que o conceito econômico de contrato pode ajudar os magistrados no julgamento das questões, pois ele estabelece que a função desse instrumento é a coordenação de comportamentos, que se baseia numa promessa crível e na especificação das obrigações de cada parte de forma completa e num rol de contingências previstas.

“É como uma lista de intercorrências, com as consequências eventuais. Podemos pensar numa matriz na qual para cada situação corresponde uma resposta: se há atraso, paga-se multa; se há antecipação, um prêmio; num caso fortuito, uma dada solução. Contratos, sempre incompletos, são a ‘veste jurídica’ que garante a coordenação das partes. O juiz é responsável por integrar as cláusulas e interpretar aquele documento. A redação, por melhor que seja, não elimina as ambiguidades ou a margem para interpretações diversas. O texto nunca dará todas as respostas”, afirmou o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O pesquisador ilustrou com uma metáfora a necessidade de cooperação nas transações, reforçada pelo Código de Processo Civil de 2015. “É como uma banda de jazz, cuja música é mais bonita que a tocada individualmente pelos integrantes. Trata-se do chamado superávit da troca. Os contratos devem permitir a conversa entre as partes e o respeito às expectativas delas”, argumenta.

Para o estudioso, um aspecto a ser examinado após a pandemia foi o ineditismo da situação. “Nenhum contrato previa isso. Quando o Judiciário foi instado a decidir, a tarefa se tornou extremamente difícil, pois havia pouca informação sobre os impactos da crise sanitária. Porém as soluções genéricas — reduzir 20% em todas as negociações, por exemplo — são perigosas. A revisão contratual deve ser individual, a cada caso, para evitar o oportunismo, que é a distorção da realidade fática ou das cláusulas processuais para favorecer um dos contratantes”, disse.

Efeitos da pandemia

Palestrante em púlpito no tribunal pleno
Segundo o professor Luciano Timm, nem todos os setores sofreram reveses com a pandemia (Crédito: Mirna de Moura/TJMG)

O professor Luciano Timm falou sobre a relação entre o nível informativo e a qualidade dos julgados. “A precisão da decisão judicial está intimamente relacionada à quantidade de informações sobre o caso, até um nível ótimo. A partir daí, o volume se torna excessivo e prejudicial. Em se tratando de uma questão empresarial, o desconhecimento sobre o mercado em que está inserida a discussão pode dificultar o julgamento. Há diversas opções de autocomposição, mas o magistrado pode ter que decidir, e a assimetria fática vai influir nisso”, disse.

Para o docente da FGV Direito SP, a cooperação das partes é um pressuposto do CPC, mas é fato que a pandemia atingiu as empresas de forma diferente. “Alguns setores cresceram com a crise, como o agronegócio, o e-commerce. Outros perderam bastante, a exemplo das companhias aéreas e serviços derivados, como os estacionamentos de aeroportos. As mudanças comportamentais afetaram o consumo, pois tudo se tornou online de uma hora para outra”, ponderou.

Ele argumenta que a análise econômica pode ajudar o magistrado a compreender os efeitos da sua decisão. A partir desse conhecimento, ele consegue imaginar cenários e responder, pelo menos com suposições, a perguntas como: se se autorizar ou negar isso, quais serão as consequências? Se houver uma intervenção judicial nesse mercado, o que acontecerá amanhã?

“Os impactos sobre os contratos de locação não foram igual para imóveis residenciais e comerciais. É importante que os juízes não se refugiem no pensamento burocrático e reconheçam as interseções entre direito e economia, porque a análise econômica lapida e amplia o saber jurídico”, afirmou.

Problemas revelados

O professor da FGV Direito Rio Luca Belli salientou que a pandemia revelou e acelerou problemas ligados à transformação digital que têm grave impacto na sociedade e já existiam antes. “Os conceitos tecnológicos podem ajudar o profissional do Direito. Além das ferramentas de regulação típicas, que são a lei e a decisão judicial, no âmbito público, e o contrato, na esfera privada, é preciso admitir que há outras às quais nem sempre se atenta, como os termos de uso de redes sociais e os contratos por adesão. Atualmente, os primeiros regulam mais a liberdade de expressão do que a própria legislação. Os algoritmos têm direcionado até mesmo o funcionamento das democracias e o exercício da cidadania”, argumentou.

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Luca Belli abordou a vulnerabilidade da maioria dos internautas brasileiros à desinformação (Crédito: Mirna de Moura/TJMG)

O pesquisador afirmou que a disparidade nos índices de conectividade fragiliza os usuários no que diz respeito à proteção de dados e à cibersegurança. Durante a pandemia, milhares de alunos ficaram sem acesso à educação e a outros serviços públicos (cadastro para auxílio emergencial, por exemplo) por falta de acesso à internet. “A maioria dos domicílios das classes C, D e E só acessam a rede pelo celular, e não têm banda larga. Um plano pré-pago dá acesso, quando muito, a uma aula de duas horas por mês, e ainda condiciona o uso da internet a aplicativos específicos”, disse.

Segundo o professor, em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, é frequente boa parte da população associar a internet exclusivamente a aplicativos de mensagem — Facebook, WhatsApp, TikTok, Instagram, Snapchat —, os quais acabam sendo também difusores de conteúdo patrocinado que não é identificado como tal, e a fonte única de informação torna-se, por consequência, desinformação. “As pessoas pensam que o serviço é gratuito, mas elas pagam por ele com dados. Isso cria uma concentração desse ativo nas mãos de poucas companhias, o chamado monopólio de dados, e abre espaço para a disseminação de fake news e aumenta a vulnerabilidade do cidadão”, ressaltou.

Foco na inovação

Segundo a professora da UnB Amanda Flávio de Oliveira, apesar dos problemas e danos, a crise trouxe modificações expressivas no mercado, introduzindo produtos, relações e serviços novos. “A área de inovação, com o dinamismo que lhe é intrínseco, respondeu a isso. Mas as autoridades, sobretudo as reguladoras, ficaram atordoadas. E a preocupação principal delas foi não ser colocada de lado, encontrar o próprio espaço e até mesmo tentar inovar por meio da regulação. Outro reflexo foi a explosão de iniciativas legislativas. Mas, no meu entendimento, tentar juntar regulação e inovação é um contrassenso”, afirmou.

A advogada lembrou, porém, que a rejeição da novidade não é um fenômeno novo, tendo ocorrido com os luditas, termo cunhado a partir da conduta de operários ingleses que, no século XIX, destruíram as máquinas que começaram a substituí-los nas fábricas. “Isso ocorreu com a agricultura, a indústria, os transportes, a comunicação. A experiência não é inédita nem tão complexa assim”, disse.

Professora fala em evento em auditório
A professora Amanda Flávio lançou a provocação para o Brasil investir na inovação (Crédito: Mirna de Moura/TJMG)

Para a estudiosa, em lugar de tentar controlar as companhias estrangeiras que vêm dominando o mundo, seria importante promover a inovação e fomentar o surgimento de ideias no Brasil, sem uma abordagem muito teórica e acadêmica, mas baseada na realidade e na observação prática.

Prevenção ao litígio

A procuradora do Cade Juliana Domingues também destacou o aumento dos mercados digitais durante a pandemia. “As contas digitais, o internet banking, a venda de móveis para trabalhar em casa e o delivery de alimentos e bebidas foram setores que se expandiram. Mas boa parte dos profissionais do Direito não tinha muito conhecimento sobre o direito concorrencial, que não é uma disciplina presente na maior parte das universidades”, disse.

Palestrante fala em evento
A procuradora do Cade Juliana Domingues afirmou que houve queda nas demandas relacionadas a consumo durante a pandemia (Crédito: Mirna de Moura/TJMG)

Juliana Domingues afirmou que as empresas adotaram ferramentas como a inteligência artificial e robôs, mas a abrupta migração na forma de consumir encontrou pessoas frequentemente despreparadas para lidar com os recursos tecnológicos e seus riscos (fuga de dados e fraudes na internet, por exemplo). Ao mesmo tempo, os Procons e call centers sofreram restrições de operação, devido à necessidade de isolamento e distanciamento. “A assimetria informacional fazia que consumidores comprassem produtos no mercado internacional, sem saber disso. No caso de um problema, eles não sabiam a quem procurar. Isso para não falar do desconhecimento quanto ao modo como a plataforma utiliza os nossos dados”, afirmou.

Porém, ao contrário do que se poderia esperar, as demandas relacionadas a consumo caíram no período, graças a um esforço dos órgãos responsáveis traduzido em ações preventivas, repressivas e campanhas educativas e de esclarecimento. “Se a solução não ocorre no SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) ou na plataforma Consumidor.gov, vai chegar ao Juizado Especial e à Justiça comum. Por isso precisamos promover a segurança jurídica por meio de medidas que evitem a judicialização exagerada”, concluiu.  

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