Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Caminhos e Contos - A Ressocialização pela Palavra forma contadoras de histórias

Durante evento de formatura, 33 recuperandas da Apac-BH receberam certificados


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Roda de mulheres sentadas, em unidade prisional, com contadora de histórias
Recuperandas se prepararam ao longo de meses, com encontros presenciais e virtuais, para aprender a contar histórias (Foto: Mirna de Moura/TJMG)

Foram seis meses de encontros semanais marcados pelo aprendizado, pela redescoberta das próprias potencialidades, pela superação dos desafios e pelo encantamento com a palavra. Nesta quarta-feira (26/5), às 14h, o momento que muitas recuperandas da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados de Belo Horizonte (Apac feminina de BH) esperaram e que um dia pensaram ser um sonho distante chegou: a formatura como contadoras de histórias.

As 33 alunas fizeram parte de duas turmas, que se debruçaram sobre uma das mais antigas práticas humanas e sobre relatos tradicionais da literatura oral e escrita. O projeto “Caminhos e Contos - A Ressocialização pela Palavra” foi desenvolvido pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), em parceria com o programa Novos Rumos. A instrutora das oficinas foi a editora e escritora Rosana de Mont’Alverne Neto.

Durante o evento algumas recuperandas contaram histórias. Houve também exibição de um vídeo com apresentação da Orquestra Jovem da Coordenadoria da Infância e da Juventude (Coinj). As classes escolheram  oradoras, que falaram em nome do grupo e receberam certificados pela conclusão da capacitação.

A formatura foi transmitida pelo YouTube, permitindo que as novas contadoras de histórias se apresentassem para seus familiares. As oficinas serão oficialmente encerradas nesta quinta-feira, 27/5, e poderão ser acompanhadas pela mesma plataforma de compartilhamento de vídeos.

As formandas aprenderam técnicas para memorizar narrativas e enriquecer a performance com gestos e interpretações, por exemplo. Outros saberes adquiridos foram interagir com a audiência, explorar o cotidiano e referências individuais e coletivas. A proposta também é abrir o horizonte para a leitura, compartilhar experiências, rir e se emocionar, reviver episódios de suas vidas ou simplesmente mergulhar no mundo da ficção, da poesia, da biografia.

Formatura

O presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Gilson Soares Lemes, destacou que as formandas “viveram tempos de turbulência e se viram em uma encruzilhada que as conduziu ao cárcere, com os contornos dramáticos que essa experiência pode trazer”. Mas, de acordo com ele, nesse percurso, a Apac representa “um sinal de que novos ventos começam a soprar”, e esse momento em especial é um marco nos caminhos de reconstrução de trajetórias.

Presidente e desembargador sentados em Gabinete
O presidente Gilson Lemes, acompanhado do desembargador Antônio Carlos Cruvinel, acompanhou o evento do Edifício Sede (Foto: Mirna de Moura/TJMG)

O presidente frisou que a metodologia busca a humanização do cumprimento das penas privativas de liberdade, conforme exige a lei, com foco na dignidade dos recuperandos. Por essa razão, o índice de reincidência criminal nessas unidades é de aproximadamente 15%, contra uma média de 80% no sistema prisional comum, no Brasil.

“As Apacs são solo fértil para o florescimento de ações transformadoras. Elas oferecem trabalho, estudo e profissionalização, assessoria jurídica e acesso à saúde, incentivam a espiritualidade e a reaproximação com familiares e a comunidade. Seu objetivo é transformar vidas, para que as pessoas possam retornar ao convívio social melhores do que quando entraram no sistema prisional”, afirmou.

Para o presidente Gilson Lemes, o curso é uma experiência curativa. “Foi criado um contexto para que as recuperandas olhassem para as pedras que encontraram, repensassem suas escolhas e pudessem ressignificar experiências, projetando novos futuros. Sinto-me verdadeiramente privilegiado por poder ser testemunha da conquista dessas mulheres, que têm enfrentado dias por demais difíceis”, disse.

O presidente do TJMG disse ainda que o País tem a terceira maior população carcerária do mundo e que, de 2000 a 2015, a quantidade de mulheres na cadeia cresceu mais de 600%. Nesse cenário, ele defendeu iniciativas como o “Caminhos e Contos”, que unem arte, sensibilidade e ressocialização, em espaços humanizados e comprometidos com a recuperação daqueles que cometeram crimes, que possam oferecer algumas respostas.

“Diante dessa trágica estatística, surgem muitos pontos nebulosos. Quem são essas mulheres? O que as conduziu às prisões? Que sonhos alimentam e o que elas têm a dizer e a ensinar com suas trajetórias? São algumas perguntas que se impõem. Principalmente, surge o questionamento sobre o que nós, enquanto Poder Judiciário, podemos fazer para ampliar as chances de ressocialização desse grupo, reduzindo as possibilidades de reincidência criminal”, afirmou.

Encantamento

O 2º vice-presidente do TJMG, superintendente da Ejef e idealizador do projeto, desembargador Tiago Pinto, elogiou os resultados da capacitação, em que as recuperandas leram, estudaram e recontaram narrativas, demonstrando capacidade de síntese e maestria na reorganização do conteúdo. Ele manifestou ainda o desejo de, por meio do TJMG, expandir a aplicação desse aprendizado a outras unidades apaquianas em Minas.

Mulher de pé, vestida como contadora de histórias, se apresenta
Rosana Mont'Alverne conduziu a apresentação das recuperandas (Foto: Cecília Pederzoli)

“Vejo maravilhado que nossa viagem está se aproximando de sua primeira parada, que não é a estação final. Propusemos essa ideia, que foi prontamente abraçada por toda a Escola Judicial e hoje chega a esse dia. Eu me sinto realizado. Esses certificados são bilhetes para novas jornadas, os próximos embarques de nossas recuperandas as levarão a cada vez mais longe”, disse.

O superintendente da Ejef agradeceu à equipe envolvida e às instituições parceiras presentes, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, que também acompanham com atenção e empenho os programas voltados para a execução penal e a reintegração de detentos, e a Academia Mineira de Letras, guardiã das tradições literárias e artísticas no estado.

“Através da palavra nós nos libertamos. Por seu poder transformador e criador, nós evoluímos. Vemos como a contação de histórias transformou essas vidas. Trouxemos elementos que aumentassem o seu domínio do vocabulário e o poder de comunicação. Assim, esse projeto promove a libertação, a expressão de individualidades, tão massacradas num regime de reclusão. Ela possibilita a vocês a oportunidade de dar-se a ver, por meio inclusive de livros”, diz.

“Estamos realizando o sonho de mostrar para a sociedade como, a partir dos direitos e garantias da cidadania defendidos pela Constituição Federal, é possível a realização pessoal através da literatura, da leitura, da palavra. Tenho fé que veremos a divulgação e a multiplicação dessa conquista, esta estação primeira. As notícias que recebo da biblioteca da Apac-BH são de procura interessada e alto número de acessos. Nosso interesse é propiciar a mudança e inserir no processo de cumprimento de pena essa pequena contribuição, que poderá ajudá-las a se libertar. Essa é a nossa intenção”, ressaltou o desembargador Tiago Pinto.

Horizontes amplos

O coordenador-geral do programa Novos Rumos do TJMG, desembargador Antônio Armando dos Anjos, afirmou que a arte e a educação, unidas neste projeto, permitem às formandas refletir sobre a própria vida por meio da identificação com os personagens dos contos tradicionais e obras literárias, contribuindo para o incentivo à leitura e a busca de um futuro melhor, com os estudos.

"Tal capacitação, além de fortalecer a ressocialização das recuperandas, possibilitará ainda que vocês se tornem escritoras, com a redação de um livro sobre suas experiências, erros, dificuldades e superação, incentivando-as a ressignificar suas histórias.” Citando o desembargador Joaquim Alves de Andrade, grande apoiador e fomentador das Apacs, o magistrado lembrou que ele indicava as unidades como espaços que propiciam a fraternidade e a paz.

Tela mostra participantes de videoconferência
Participantes acompanharam atividades na Apac, que fica no Bairro Gameleira (Foto: Mirna de Moura/TJMG)

“No evento de lançamento desse projeto, em novembro de 2020, mencionei frase do papa Francisco que enaltece os construtores de pontes em detrimento dos que erguem muros. Com essa iniciativa, construímos pontes rumo à ressocialização. Estejam, portanto, orgulhosas desses certificados”, disse.

O coordenador executivo do Novos Rumos para assuntos da Apac e titular da Vara de Execuções Penais da capital (VEP-BH), juiz Luiz Carlos Rezende e Santos, fez um agradecimento às recuperandas, por seu comprometimento com a proposta. “O professor Mário Ottoboni, fundador da metodologia Apac, dizia que é preciso acreditar muito no caminho do bem. Reformulo a frase dizendo que é preciso acreditar muito no Caminhos e Contos”.

Segundo ele, "a VEP-BH está extremamente satisfeita e alegre por compartilhar esse momento tão importante para a recuperação dessas mulheres que cumprem pena. Nós confiamos muito nelas", afirmou.

O coordenador executivo disse não ter palavras para agradecer o benefício que o projeto trouxe ao grupo. Ao se referir ao desembargador Tiago Pinto, disse que “seu perfil tem uma contribuição relevante não só agora, mas em toda a sua carreira, e parabenizo toda a equipe da Ejef”. O magistrado anunciou ainda que em breve o projeto será levado à Apac masculina de Santa Luzia.

Arte e cultura

Para o presidente da Apac de Belo Horizonte, Marcelo José Gonçalves da Costa, o projeto é maravilhoso e se integra à sua luta de décadas para estruturar políticas para o sistema prisional e para obter oportunidades de profissionalização, educação, reintegração e acolhimento para os internos.

“A cultura é a essência de todas essas atividades. O crescimento passa pela educação, pelo conhecimento, pelo debate. Vocês devem perceber sua capacidade em todos os campos. Vocês estão ocupando um espaço da cultura, e não há limites para vocês”, disse.

Diretor de unidade entrega certificado de conclusão a detenta
Marcelo Costa entrega certificado a recuperanda (Foto: Cecília Pederzoli)

O gestor enalteceu o comprometimento e dedicação da instrutora, Rosana Mont'Alverne, e os resultados alcançados. “Esse curso contagiou a todos nós, mostrando que a cultura é importante e necessária para nossa qualidade de vida. Só tenho a agradecer ao TJMG, à senhora e a todas as participantes. Vocês verão frutos dessa participação ao longo de toda a vida. Esse será um caminho feliz, de sucesso, em que vocês poderão multiplicar o que aprenderam”.

Performance

A contadora de histórias e servidora aposentada do TJMG, Rosana de Mont’Alverne Neto, conduziu o espetáculo de contação de histórias, que envolveu várias recuperandas em torno de cinco narrativas, das tradições brasileira, europeia, africana e erudita, por meio da escritora Marina Colasanti: "O João Bobo", "João e Maria", "O Bicho Mais Poderoso", "A Moça Tecelã" e "O Abraço".

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Apresentação de orquestra jovem, sob a batuta de Luciene Villani, homenageou formandas (Foto: Mirna de Moura)

Presenças

Também estiveram presentes, por meio de videoconferência ou presencialmente, o 1º vice-presidente, desembargador José Flávio de Almeida; a desembargadora Mariangela Meyer, superintendente adjunta da Escola Judicial; o defensor público-geral, Gério Patrocínio Soares; o promotor de justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, representando o procurador-geral de justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior; o juiz auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça Guilherme Sadi, representando o corregedor, desembargador Agostinho Gomes de Azevedo; o diretor vice-presidente da Apac-BH, Maurílio Leite Pedrosa; o presidente da Academia Mineira de Letras, Rogério Faria Tavares; e a diretora de Desenvolvimento de Pessoas da Ejef, Thelma Cardoso.

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