Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

População prisional LGBT é tema de reunião no TJMG

Encontro discutiu resolução para tratamento desse público no sistema prisional


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Reunião do Grupo de Trabalho Interinstitucional tratou da proposta da melhoria de atendimento à população LGBT, no sistema prisional mineiro

O Grupo de Trabalho Interinstitucional LGBT, vinculado ao Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), reuniu-se na manhã desta terça-feira (19/11), na sede do Judiciário mineiro.

Durante o encontro, foram discutidos os termos de uma proposta de resolução que vai estabelecer diretrizes e normativas para o atendimento e o tratamento de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) no sistema prisional de Minas Gerais.

Representantes de diversas instituições participaram do encontro: Judiciário, Defensoria Púbica, Ordem dos Advogados do Brasil/Seção Minas Gerais (OAB-MG), Polícia Civil, Polícia Militar, Departamento Penitenciário (Depen), Secretaria de Desenvolvimento Social e Programa Justiça Presente – parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento Humano (PNUD).

Reconhecer as diferenças

O supervisor do GMF, desembargador Júlio Cezar Guttierrez, que presidiu a reunião, observou que a garantia do princípio da isonomia depende de reconhecer as diferenças. “Nós temos o público LGBT nos estabelecimentos prisionais, e eles têm as suas peculiaridades, por isso merecem um tratamento peculiar”, afirma.

De acordo com o desembargador, o tratamento diferenciado deve acontecer desde o momento em que ocorre a abordagem da polícia, na rua, até a entrada no sistema prisional, passando pelo atendimento ali dentro e os projetos sociais que serão direcionados a esse público.

O desembargador ressalta que esse trabalho precisa ser feito, e por isso a importância do encontro, reunindo as instituições diretamente envolvidas com a temática e outras que podem ajudar a construir um ambiente adequado para o tratamento do público LGBT.

“Em muitos casos, essas pessoas são discriminadas desde o aconchego do lar, em uma situação de sofrimento permanente. O Estado tem a responsabilidade de buscar acolhê-las”, ressalta.

Ouça o podcast com as informações sobre o assunto:

Criação de estratégias

Para Lucas Pereira de Miranda, coordenador estadual do programa Justiça Presente, do Conselho Nacional de Justiça/PNUD, esse grupo de trabalho é uma estratégia importante para aprimorar a discussão sobre os contextos em que as pessoas LGBT estão inseridas no sistema prisional.

“O grupo é importante também para que sejam discutidas e criadas estratégias para o estabelecimento de um melhor tratamento penitenciário para essa minoria. Vários aspectos precisam ser considerados, como as autodeclarações de gênero, os contextos sociais e pessoais, os procedimentos de revista. O que se busca é uma forma de todo o sistema de Justiça criar melhores mecanismos para o atendimento humanizado dessa população”, avalia.

A defensora pública Emília Castilho também ressalta a importância do debate em torno dessa temática, com a participação de diversas instituições. “A discussão do tema e a busca de soluções conjuntas é um grande passo para o sistema prisional do nosso estado, garantindo os direitos da população LGBT privada de liberdade e seus familiares”, afirma.

Diversas mãos

Luana da Silva Rodrigues, assessora técnica da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), conta que em 2011 foi publicada a primeira resolução que criou as chamadas alas LGBT – uma no presídio de Vespasiano, outra na penitenciária de São Joaquim de Bicas.

“Na época, foi uma inovação no País, porque essas pessoas não tinham um local específico para cumprir suas penas. Muitas vezes, elas serviam como moeda de troca no sistema prisional. Minas Gerais foi pioneira na criação desses espaços, conhecidas como alas rosa”, conta a assessora.

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Alas LGBT nos presídios de Vespasiano e São Joaquim de Bicas, as primeiras de Minas

Luana observa, no entanto, que ainda são inúmeros e complexos os desafios a serem enfrentados. “Há dois anos estamos tentando publicar essa resolução, que foi construída por diversas mãos, incluindo movimentos sociais, instituições diversas do estado, pessoas que já passaram pelo sistema prisional”, explica.

“Por isso é fundamental que o TJMG esteja hoje à frente das discussões, somando forças conosco para que consigamos a vitória de efetivar essa resolução, que é de extrema necessidade para o público LGBT. Esse movimento nos dá também a esperança de que essas pessoas sejam tratadas de uma forma humanizada, digna”, afirma a assessora da Sedese.

O assessor da Diretoria de Gestão de Vagas do Departamento Penitenciário (Depen), Henrique de Souza Carneiro, avalia que a possibilidade iminente de publicação de uma resolução nesses moldes representa “um momento ímpar”, pois há anos as tratativas nesse sentido vêm se arrastando.

“Essa população carcerária precisa de atenção, então não vamos nos quedar enquanto todas as tratativas não forem colocadas em prol dela. Essas pessoas têm passado por situações muito difíceis, principalmente no que se refere à saúde. A tarefa não é fácil, mas vamos vencê-la”, afirmou o assessor da Depen.

Garantia de direitos

A coordenadora do Núcleo de Gestão Prisional da Polícia Civil, delegada Rosilene Alves de Souza, manifestou a honra de a instituição que representa poder participar das discussões em torno da busca de tratamento mais adequado à população LGBT.

“O Estado, garantidor de direitos, está colocando suas instituições para que se capacitem e busquem cada vez mais aprimoramento, para que direitos e garantias fundamentais sejam cada vez mais respeitados e executados na prática”, avalia.

O capitão Foureaux também destacou a importância da presença da Polícia Militar nas discussões. “A Polícia Militar, normalmente, é a porta de entrada daqueles que irão se tornar privados de liberdade, no sistema prisional. Por isso a importância da nossa participação nesse debate, até mesmo para que sejam nivelados e padronizados os procedimentos para todos os agentes públicos.”

Também participou da reunião o administrador público Daniel França Alves, que em 2017 e 2018 coordenou a Comissão Estadual de Políticas de Enfrentamento às Fobias Motivadas por Orientação e Sexual e Identidade de Gênero.

“Fiquei muito agradecido com o convite do desembargador Júlio Cezar para participar dos debates. Gostaria de registrar nossa gratidão e reconhecimento do papel fundamental que ele e o Poder Judiciário tiveram no sentido de resgatar as discussões em torno da resolução”, declarou.

Daniel Alves destacou que os debates do grupo de trabalho foram realizados em um ambiente plural, diverso e legítimo. Isso possibilitou construir de maneira conjunta uma proposta de normativa que, segundo ele, será fundamental para assegurar os direitos de um grupo sistematicamente discriminado, vulnerabilizado e marginalizado. “Os trabalhos foram excelentes, e o resultado aponta para um mundo melhor”, conclui.

O secretário-geral adjunto da Comissão de Assuntos Penitenciários da OAB, André Luiz Lima, observou que a resolução é interinstitucional, sendo elaborada em conjunto por diversas outras instituições. “Ela visa a criar, ainda que de início, um fluxo e garantias mínimas para o atendimento desse público específico”, explicou.

De acordo com o advogado, após a publicação do texto, será necessária a capacitação de todos os atores envolvidos. “Mas apostamos que essa resolução é o primeiro elemento garantidor de uma política pública tão cara e tão árida para nós, enquanto membros do sistema de garantia de direitos e da sociedade civil organizada.”

Presenças

Também participaram da reunião a juíza Bárbara Isadora Santos Sebe Nardy, integrante do GMF; a tenente Lili; o defensor público Vladimir Souza Rodrigues; a consultora em audiência de custódia pelo CNJ/PNUD Ariane Gontijo Lopes; Maria Clara Caldeira Lacerda Di Lorenzo, da Superintendência de Humanização do Atendimento (SHUA-Depen); e Renata Almeida Azeredo dos Santos, assessora do GMF.

A procuradora de justiça Cláudia Spranger, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça e Defesa dos Direitos Humanos e Apoio Comunitário (CAO-DH), não pôde participar da reunião desta terça-feira, mas também manifestou a relevância das discussões do GT-LGBT.

Entre outros pontos, a procuradora destacou a urgência de que as instituições envolvidas no sistema de garantia de direitos se voltem para uma real articulação e integração, de modo a aplicar mecanismos efetivos de defesa dos direitos das pessoas LGBT, principalmente as que se encontram no cárcere ou na iminência dele.