TP_Plural-01.png
28/04/20 11:34

Tráfico de Animais Silvestres: uma ferida ainda aberta.
 
 

Alguns minutos com uma arma na cabeça podem durar uma vida inteira de lembranças e preocupações. Para Marcos Motta, a principal delas era quem cuidaria de seus animais silvestres, na sua falta. Ele foi pego por traficantes, por salvar e levar algumas araras em seu carro. Perdeu as araras, mas escapou com vida.

O veterinário, que há dez anos criou a ONG Asas e Amigos, ainda não respondeu a pergunta que se fez nesse dia. Hoje é responsável por mais de 500 animais silvestres que estão em recuperação ou não podem mais voltar à natureza, por causa das lesões que a venda clandestina provoca no corpo e na alma deles.

Falta de uma perna, de uma asa, de um olho, defeito no bico, problemas de pele, transtornos psicológicos e tudo mais que carregam na memória.

Os que se recuperam são soltos na natureza, os que têm danos irreversíveis ficarão por lá enquanto viverem.

Seu maior sonho é que esse tipo de crime tenha fim, que as pessoas tomem conhecimento de que, para cada pássaro silvestre saudável em uma casa, nove ficam lesionados ou morrem. “Esse costume parece estar longe de acabar, por isso gostaria que, ao menos, a ONG se tornasse autossuficiente, seja com mais doações, seja com apoio do governo”, desabafa.

Na área da reprodução assistida, o Brasil avançou muito mais do que as pessoas imaginam. A filiação pode ser uniparental ou de casais homoafetivos. Não importa a forma, desde que o afeto seja oferecido aos filhos. A preocupação do Estado é com o bem-estar socioafetivo da criança. Foto de João Pedro Junqueira, ginecologista e obstetra com especialidade em Reprodução Assistida pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Fotos de animais resgatados.
Raio X do Crime
 
 

A BR 262 é a maior rota de tráfico, porque liga o Pantanal, habitat dos bichos mais procurados, a Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, cidades onde se concentram os compradores.

“Muitos traficantes comercializam por internet e levam na casa do cliente. A polícia me liga e já me avisa: ‘dia tal vamos averiguar uma suspeita, provavelmente traremos bichos para a ONG’. São questões sigilosas, eu só sei que dia eles trarão. Depois da investigação, a polícia já sabe quais animais serão apreendidos e quantos são”, conta o veterinário.

 

Raio X do Crime
Raio X do Crime
 
 
Raio X do Crime
 
 

Marcos relata que o comprador de animais traficados normalmente já tem a vida financeira resolvida, mora em sítio, fazenda ou casa grande e quer ter o animal enfeitando o jardim. “Não é todo mundo que tem R$ 60 mil para dar em uma arara azul e pode acordar todo dia vendo aquele bicho lindo na sua janela, achando que pode trazer a selva para casa”. As aves são os animais mais traficados, por causa da beleza.

 
 
Raio X do Crime
 
 

Os maiores danos são as fraturas de asas e pernas e as lesões oculares — causadas pelas péssimas condições do transporte ou de propósito, pelo traficante. “Alguns deles são capazes de furar o olho do animal e anunciá-lo como manso. Na verdade ele é selvagem, mas sente tanta dor que não consegue reagir”, afirma. Ele conta que muitas pessoas sentem dó de ver o bicho na péssima situação e acabam comprando para salvá-lo. Atitude que acaba por, sem querer, alimentar o tráfico.

Exemplos dos Animais mais procurados: 90% aves, como papagaio, trinca-ferro e arara. 10% são répteis, como: jabuti, iguana e serpentes. 1% são mamíferos, como por exemplo os macacos.
 
 
Fotos de animais resgatados.
Cultura da Gaiola.
 
 
 
 
Cultura da Gaiola.
 
 
 
Cultura da Gaiola. Ilustração de um macaco abrindo a grade de uma gaiola.
 

Os Centros de Triagem (Cetas), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), recebem animais de ações de fiscalização das polícias, entregas voluntárias, filhotes que caem do ninho, animais atropelados ou que sofrem outros tipos de acidente. São 23 unidades pelo País, três delas em Minas — em Belo Horizonte, Montes Claros e Juiz de Fora. Trata-se de uma gestão compartilhada com o estado, por meio do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Todos os animais que chegam são avaliados e tratados pelos veterinários.

Segundo o veterinário e analista ambiental do Ibama Daniel Vilela, depois de feita a avaliação, começa uma preparação para a soltura. Muitos deles são procedentes de ambientes domésticos, tendo permanecido muito tempo presos, ou estão debilitados por conta do tráfico. Em qualquer uma dessas situações, precisam aprender um repertório comportamental para sobreviver na natureza. Se o animal não tiver condições de voltar para seu ambiente natural, será levado a criadores autorizados. São lugares adequados, autorizados pelo Ibama, como a ONG Asas e Amigos.

 
Cultura da Gaiola. Ilustração de um macaco abrindo a grade de uma gaiola.
 

Para Daniel, no Brasil, existe uma cultura forte de manter animais aprisionados em gaiolas. A maioria é ilegal, e grande parte deles é de um grupo chamado psitasídeo, representados pelos papagaios, periquitos, araras, cacatuas, calopsitas.

Há o caminho da legalidade. “A pessoa pode se cadastrar no Ibama e se tornar um criador. Um pássaro só é legalizado se for nascido em cativeiro, e o criador novo deve adquirir o animal de outro criador mais antigo. Assim, teoricamente, a criação não causa impacto nas populações da natureza”, afirma.

Segundo Daniel, todos que participam de alguma forma do tráfico são enquadrados como traficantes, fazendo parte de uma rede. Entretanto, quem promove e financia toda a ilegalidade e o sofrimento de cada animal, muitas vezes, não se acha parte do crime: o comprador.

A maior parte dos animais apreendidos já estava em casas, os que estão na rota do tráfico não representam nem 10% das apreensões. A multa do Ibama varia entre R$500 e R$5 mil, já a multa do Estado vai de R$ 1 mil a R$ 10 mil, dependendo da raridade do animal.

 
 
Voltar com a existência de um animal na natureza pede um esforço gigantesco e, muitas vezes, não dá tempo, diz Daniel Vilela, Analista Ambiental do Ibama
 
 

“O tráfico causa um impacto tão grande nas populações silvestres que é difícil de ser avaliado, muitas vezes só é dimensionado depois que o animal desaparece. Voltar com a existência de um animal na natureza pede um esforço gigantesco e, muitas vezes, não dá tempo”, alerta Daniel. Uma das aves mais admiradas no mundo já caminha para a extinção.

 
 
Foto de duas araras azuis.

Mede cerca de um metro. A ave é praticamente toda da cor azul-cobalto. As pálpebras, a base da boca e a área ao redor dos olhos têm coloração amarelo forte. Há cerca de 20 mil soltas na natureza.

Arara-Azul-de-Lear: tem a cabeça azul esverdeada, e ao redor dos olhos há um anel amarelo-claro. Mede 75cm. Há cerca de 1,5 mil soltas na natureza. Já a Ararinha-Azul, ficou popular com o personagem Blu, do filme Rio. Mede 60cm e tem corpo azul e cabeça azul-acinzentada. É encontrada somente em cativeiro.

O maior desafio, para ele, é interromper a cultura da gaiola. A maior parte dos resgates é realizada já nos lares e nos lugares de criação ilegal, depois que o animal já passou por todas as etapas do tráfico.

 
 
Mapeamento genético a serviço do combate ao tráfico.
 

 

A ciência pode ajudar, e muito. Nos labirintos do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um laboratório estuda e faz o mapeamento genético dos animais apreendidos pela polícia.

O serviço também está disponível para as pessoas que precisam confirmar a legalidade da posse do seu animal. O sequenciamento genético funciona como um selo de qualidade, indicando se o animal foi adquirido de forma legal.

Segundo o professor e coordenador do Laboratório de Biotecnologia e Marcadores Moleculares do ICB, Evanguedes Kalapothakis, a necessidade de introduzir a genética no combate ao tráfico de animais e plantas é antiga.

É uma tecnologia essencial para apoiar peritos criminais e fiscais do Ibama.

O processo é basicamente o mesmo usado em seres humanos, o famoso teste de DNA. Ele carrega a história e a individualidade de cada ser vivo, servindo inclusive para diferenciar dois seres da mesma espécie e da mesma comunidade.

O professor explica que o teste desenvolvido para o papagaio não pode ser usado para o trinca-ferro, por exemplo — para cada espécie há uma técnica. “Trabalhamos com demandas particulares. Podemos desenvolver a técnica para qualquer ser vivo, mas tudo depende de prazos e financiamentos adequados”, explica.

A necessidade do mapeamento genético surgiu das limitações e dificuldades encontradas na identificação dos animais. No caso das aves, grande parte das anilhas usadas hoje (pequena argola de metal colocada na perna) é falsificada.

Segundo o professor, alguns dos animais que já possuem a tecnologia para o sequenciamento genético são o papagaio, o bicudo, o trinca-ferro, o pretinho e algumas serpentes.

“A tecnologia pode ajudar o meio ambiente, o criador e o consumidor. Infelizmente, os consumidores não vão deixar de comprar. Sendo assim, seria melhor que as pessoas comprassem os animais de criadouros legalizados, preservando assim os que nascem na natureza.”

É caro fazer um sequenciamento, mas se forem feitos vários de uma vez, a tendência é baixar o preço.

Na foto, ele mostra o instrumento onde é colocada a amostra de células, que, dentro do aparelho de mapeamento genético, vai descobrir informações importantes sobre o animal.

 
 
Foto de Evanguedes.
 
 

Segundo o professor, alguns dos animais que já possuem a tecnologia para o sequenciamento genético são o papagaio, o bicudo, o trinca-ferro, o pretinho e algumas serpentes.

“A tecnologia pode ajudar o meio ambiente, o criador e o consumidor. Infelizmente, os consumidores não vão deixar de comprar. Sendo assim, seria melhor que as pessoas comprassem os animais de criadouros legalizados, preservando assim os que nascem na natureza.”

É caro fazer um sequenciamento, mas se forem feitos vários de uma vez, a tendência é baixar o preço.

 
 
Aplicar tecnologia de ponta, para ter bons resultados com custos razoáveis para a comunidade: esse é nosso objetivo principal, diz Evanguedes Kalapothakis, Professor e coordenador do Laboratório de Biotecnologia e Marcadores Moleculares do ICB.
 
 
 
 
Uma tradição que pede fim.
 
 
 

Dentro do Batalhão de Polícia Militar do Meio Ambiente, funciona o setor de defesa dos animais, integrado também por profissionais da Polícia Civil, do Ministério Público, do Ibama e do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Depois de receber denúncias ou investigar suspeitas, a equipe atua no combate ao tráfico nas estradas e à posse ilegal em feiras ou casas.

Segundo o tenente Adenilson Brito, chefe da Sessão de Planejamento e Operações do Batalhão de Polícia de Meio Ambiente, o trabalho em Minas é intenso, porque os traficantes buscam animais no estado e os levam para São Paulo e Rio de Janeiro.

Nessa rota, há operações pontuais para tentar fazer o bloqueio. Na época de reprodução dos animais, é feito um número maior de operações em rodovias, com o apoio da Polícia Rodoviária Federal.

 
 
Animais apreendidos em Minas ¿ tráfico ou posse ilegal. Em 2018 ¿ 23.372. Em 2019 (até julho) - 10.491. Fonte: Polícia Militar Ambiental de MG
 
 

A criação de animais em cativeiro é histórica no País, uma tradição passada de pai para filho. “Estima-se que no Brasil 60 milhões de pessoas criem animais em cativeiros. Destes, 10% são legalizados, o restante está à margem da lei.”

 
 
Foto do Tenente Brito.

Segundo o tenente, quase sempre o crime de maus-tratos ocorre simultaneamente ao de tráfico, porque os animais estão mal acondicionados, sem alimentação, sem água e sem ventilação. Muitas vezes o filhote vem dentro de garrafa pet.

 
 
Mês passado pegamos 300 pássaros-pretos, na região de Unaí, em gaiolas minúsculas, espaços muito reduzidos. Então, além de enquadrar no art. 29 da Lei 9.605, sobre venda e exportação, enquadramos também no art. 32, de maus-tratos, diz Tenente Adenilson Brito, Chefe da Sessão de Planejamento e Operações do Batalhão de Polícia de Meio Ambiente.
 
 

Art. 29

Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.

Pena: detenção de seis meses a um ano, e multa.

Art. 32

Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.

Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 2º: A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

 

A anilha precisa ser inserida na pata do animal com cinco dias de vida, no máximo, porque, depois disso, os dedos endurecem e a anilha não passa mais. Quando a polícia encontra animais com dedos quebrados, é sinal de que esse prazo não foi respeitado. Segundo o tenente, isso é muito comum.

“Outro dia foram encontrados pássaros em um porta-malas, debaixo de bagagens, sem ventilação, sem alimentação. Felizmente pegamos no momento inicial do transporte, então não havia nenhum animal morto. Conseguimos resgatar e logo foi feita a soltura de todos. Recentemente, em uma mala na rodoviária, foram encontrados vários filhotes escondidos em caixas de leite. A cada vivo, havia cinco mortos, uma cena chocante, mesmo para quem lida com o assunto diariamente.”

Outra situação que se tornou comum, segundo o tenente Britto, é o envio de animais, principalmente répteis, em caixas pelo correio. Os que passam pelo raio-x são identificados, e a polícia é chamada.

Mês passado pegamos 300 pássaros-pretos, na região de Unaí, em gaiolas minúsculas, espaços muito reduzidos. Então, além de enquadrar no art. 29 da Lei 9.605, sobre venda e exportação, enquadramos também no art. 32, de maus-tratos, diz Tenente Adenilson Brito, Chefe da Sessão de Planejamento e Operações do Batalhão de Polícia de Meio Ambiente.

Para o militar, a função desse animal, que hoje está em uma casa servindo uma pessoa, é muito maior na natureza. Ele espalha sementes ou participa de uma cadeia alimentar, entre outros papéis essenciais para o equilíbrio de um determinado ecossistema.

Na opinião dele, nenhum animal silvestre deveria ser tirado de seu habitat. No mundo ideal do tenente, não há tamanho sofrimento.

 
 
São apreendidos no País aproximadamente 55 mil animais silvestres por ano. Em 2016: Foram realizadas 2.004 autuações totalizando 67.983.396,95 em multas; Em 2017: Foram realizadas 1.485 autuações totalizando 48.669.880,00 em multas; Em 2018: Foram realizadas 1.502 autuações totalizando 130.408.928,50 em multas; Em 2019: Foram realizadas 1.273 autuações totalizando 85.305.804,20 em multas.
 
 
Denúncias: Em 2016: 551. Em 2017: 446. Em 2018: 573. Em 2019: 630. Dique denúncia: 181. Ibama: 0800 61 8080
 
 

EXPEDIENTE:

Coordenação Plural: Marlyana Tavares / Reportagem e fotografia: Cláudia Lima / Ilustrações: Fernando Lima / Webdesign: Mariana Pacheco / Edição de web: Danilo Pereira / Revisão de texto: Patricia Limongi

Produzido pela Assessoria de Comunicação Institucional
Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Veja as Edições Anteriores

O Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ) é um dos eixos do Programa Novos Rumos, e chega aos 20 anos de existência com excelentes resultados, tendo se tornado referência nacional e internacional no aprimoramento da reinserção social de pacientes judiciários.
Mulheres e jovens cumprindo suas penas e medidas socioeducativas de forma humanizada em unidades da Apac femininas e juvenil. Conheça como acontece o processo de ressocialização de pessoas que infringiram a lei.
O programa desenvolve ações em favor da humanização no cumprimento de penas e medidas de restrição de liberdade, visando à ressocialização. Conheça a atuação do GMF, um dos segmentos do Novos Rumos.