Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Debates no TJMG põem família no centro

Encontro virtual foca direitos de crianças e adolescentes à convivência familiar


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Mãos de adultos e de bebê sobrepostas
Proteção integral à infância e à juventude com prioridade para a convivência familiar foram tema de encontro

Nem a pandemia impediu que os 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), completados neste ano, fossem celebrados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Para tratar da importância de oferecer a esse público, vulnerável e prioritário, a experiência de um lar, foi preparado um encontro de profissionais do Direito, pesquisadores, comissários da infância, conselheiros tutelares, assistentes sociais e psicólogos, entre outras categorias.

O tom do “Encontro de 30 anos do ECA: convivência familiar é prioridade absoluta” foi buscar compartilhamento de informações para propor soluções que melhorem o atendimento, criem alternativas para os entraves e obstáculos à plena cidadania e deem cumprimento aos direitos desses jovens brasileiros. Promovida pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), a programação, que se estende até sábado (26/9), foi aberta na noite desta terça (22/3).

Os trabalhos, transmitidos ao vivo, com possibilidade de acesso ao conteúdo posteriormente, reuniram mais de 500 internautas. As discussões visam a um público que vai dos magistrados, servidores e colaboradores do Tribunal mineiro a técnicos e conselheiros municipais, gestores e técnicos das políticas públicas da infância e da adolescência, profissionais de educação e saúde e interessados em adoção.

Magistrado em live
O desembargador Tiago Pinto ressaltou a relevância do ECA e a importância de continuar procurando reforçar a legislação e a defesa da infância e da juventude

De acordo com o 2º vice-presidente do Judiciário estadual mineiro e superintendente da Ejef, desembargador Tiago Pinto, o seminário pretende mostrar um pouco do processo evolutivo dessa legislação, em três décadas, marcado pelas conquistas e batalhas pessoais de juízes e de equipes de diversas esferas do poder público e instituições da sociedade civil.

“O tempo é pequeno para o tamanho, o alcance e a relevância do tema, mas as comemorações são devidas e meritórias. Por isso, dou boas-vindas e desejo a todos sucesso neste evento”, frisou.

Caminhos de esperança

A primeira mesa abordou a necessidade de sensibilização da comunidade e do poder público para o acolhimento familiar. A coordenação ficou a cargo da psicóloga judicial Anapaula Rinaldi Romão, que lembrou que tudo o que vem sendo feito nesse âmbito é fruto do esforço de muitas mãos.

Participaram o juiz José Roberto Poiani, integrante da Coordenadoria da Infância e da Juventude (Coinj) do TJMG, e a secretária de Desenvolvimento Social da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora, Tammy Angelina Mendonça Claret.

A mediação ficou por conta do juiz Ricardo Rodrigues de Lima, que discorreu sobre a grande cooperação entre instituições e indivíduos para promover o encontro, o conjunto de informações, descobertas e reflexões produzidos ao longo dos anos e o histórico de edições promovidas em sua comarca de origem, Juiz de Fora, que conta com um núcleo regional da Ejef.

“Temos a oportunidade de tratar de um tema que nos é muito caro, muito sensível e que, muitas vezes, por desconhecimento e falta de maturidade dos diversos segmentos que lidam com a área, foi negligenciado”, pontuou, citando práticas antigas, como a roda dos expostos e modelos de orfanatos, que hoje são vistas como inadequadas.

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O juiz Ricardo de Lima falou sobre as perspectivas de adotar o aprendizado de Uberlândia em Juiz de Fora

“O Estado tem que tomar cuidado para não transformar o acolhimento numa segunda violência, de caráter institucional. Deve ser uma medida de apoio, fortalecimento, não de exclusão”, ressaltou, lembrando que essa é sempre uma resolução excepcional e extrema.

Novas estratégias

A socióloga Tammy Claret falou que o tema delicado, de alta complexidade, exige tratamento especial. Ela destacou que há uma parceria valiosa entre a Secretaria de Desenvolvimento Social de Juiz de Fora e a Vara da Infância e da Juventude, mas persistem desafios que dificultam o alcance de objetivos, como a falta de financiamento e a necessidade de organizar os serviços.

Segundo a secretária, o município dispunha de uma política que precedeu a Constituição de 1988, que não era conduzida pelo Estado, mas por entidades conveniadas. Foi preciso remodelar a assistência social em 2018, quando o chamamento público se tornou a regra.

Isso trouxe transparência aos procedimentos e permitiu diagnósticos e estudos que podem subsidiar as gestões futuras e apontar novos projetos, como programas de apadrinhamento e repúblicas para jovens que deixam as instituições. Com o novo modelo, foi possível ampliar as vagas para acolhimento, incluindo famílias guardiãs e instituições, e a rede de técnicos, mas o cenário ainda traz desafios, entre elas a pandemia e a decorrente falta de recursos.

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Segundo a secretária municipal Tammy Claret, a família acolhedora aumenta o círculo da criança ou do adolescente, criando laços de amizade

“Um amadurecimento enorme vem sendo orquestrado pelo Judiciário, para estabelecermos pontes em direção a uma construção coletiva com o Executivo. Há todo um trabalho importante sendo feito, e esperamos seguir com essa parceria para garantir a proteção integral. Desejo que, um dia, não haja mais ninguém acolhido sem a proximidade e presença de um núcleo familiar e de vínculos sociais”, concluiu.

Pioneirismo

O juiz José Roberto Poiani, titular da Vara da Infância e da Juventude de Uberlândia e integrante da Coinj, explicou que a vivência nessas unidades é uma oportunidade de os adultos revisitarem suas trajetórias e seus conceitos, reaprender para sensibilizar todo o sistema de justiça. Ele recordou que Minas detém o desonroso título de um dos estados com mais acolhidos no País.

O magistrado salientou que em sua história o Brasil foi alvo de críticas da comunidade internacional por seu tratamento do tema, o que demandou mudanças, mas alerta que muitos ainda têm como referência o extinto Código de Menores. Poiani conclamou os juízes a transformar hábitos e abraçar a causa, convidando os gestores a humanizar os procedimentos e lembrar que eles devem ser prioridade absoluta.

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Poiani apresentou conquistas expressivas em Uberlândia, descrevendo a família acolhedora como uma UTI para o restabelecimento da confiança e da autoestima de crianças e adolescentes

“Temos comarcas que sequer contam com acolhimento institucional, sem colocar em prática o que está na lei. A família, a sociedade e o Estado — e essa sequência é importante — nem sempre conseguem cumprir seu papel”, diz. Ele argumentou que, embora devesse ser local de proteção e segurança, a família frequentemente é espaço de conflitos e de violação de direitos, e os magistrados não têm escolha senão considerar as modalidades de acolhimento disponíveis: familiar e institucional.

Para identificar as vulnerabilidades, os magistrados têm, ainda, que contar com uma forte integração dos atores sociais da rede, para obter informações importantes e decidir corretamente, com a consciência de que pode não ser recomendável manter a criança ou o adolescente a todo custo com familiares que não os assumem e não se interessam por eles. O magistrado também enfatiza que o ECA já sofreu mais de 30 alterações legislativas, que o tornam uma norma abrangente e um poderoso auxílio para operadores do Direito.

“O juiz não é gestor, mas pode ser um articulador, e sua presença é fundamental para trazer mudanças de atitude. E, embora esta não deva ser a motivação, o acolhimento familiar tem custo inferior e resultados melhores. É preciso enfrentar as situações. Não se trata de criticar as instituições, que têm que existir, mas é urgente envolver as famílias para que a sociedade olhe para esses meninos e meninas. É possível; difícil, mas possível”, defende.

Todas as famílias passam por turbulências, mas nem todas conseguem resistir, e os filhos não podem ser abandonados à própria sorte. “Assim como precisam ter hospitais, escolas e cadeias, os municípios precisam oferecer suporte a suas crianças e seus adolescentes. Isso porque, infelizmente, sempre haverá pessoas que devem receber essa ajuda. Há famílias acompanhadas por anos, e sem sinal de melhora”, afirmou.

Experiência de Uberlândia

Poiani mostrou números de Uberlândia, que surpreendem: depois de uma longa batalha e de muito empenho, de combate a focos de resistência, hoje a comarca tem mais meninos e meninas acolhidos em lares do que em instituições. São 18 contra 45 que vivem com famílias guardiãs, e situações que vão desde mães adolescentes a grupos de irmãos.

Houve uma qualificação não apenas dos profissionais envolvidos, cada vez mais experientes e dedicados, mas das famílias que se dispõem a abrir a porta e o coração para o novo. A crise sanitária mantém a forte comunicação entre Judiciário, acolhidos e famílias, por meio de aplicativos, telefone e outros recursos tecnológicos. “A primeira infância está aí e tem que ser atendida”, declarou, acrescentando que os danos psicológicos, nessa fase, são graves.

O caso de sucesso tem a raiz na estruturação do serviço e em fatores tão diversos como a atenção a quem cuida, por meio de incentivos, treinamento e acompanhamento, e o apoio da imprensa local. “Temos que estender o tapete vermelho para quem é voluntário”, afirma. Ele refuta a noção de que o apego das crianças e dos adolescentes aos guardiães é ruim.

“A aproximação é inevitável e muito desejável. As relações humanas se formam com vínculos. Mas há um perfil para essa função, e isso deve ser levado em conta. O ideal é que a pessoa saia de um apego de qualidade para outro”, avalia. O juiz conta que, ao fim do período, realiza audiências com as famílias acolhedoras, como forma de agradecimento e de despedida, e relata que os guardiães testemunham o quanto foram enriquecidos pelo convívio provisório, dizendo que são eles que se sentem reconhecidos.

Programação

Nesta quarta (23/9), o debate sobre os efeitos subjetivos do acolhimento na criança, no adolescente e nas famílias de origem e guardiãs, bem como o acolhimento tendo membros da família extensa como guardiães, envolve o vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Lindomar José da Silva, e os psicólogos Roberto Raquello Passos e Nicole Costa Faria, das casas de acolhimento Lar de Laura e Vivendas do Futuro. O mediador será o psicanalista Luiz Romão; e o coordenador de mesa, o psicólogo Sérgio Lopes.

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A psicóloga judicial Anapaula Romão foi a mediadora no debate de abertura

Os cuidados necessários para a efetivação da reintegração familiar durante o acolhimento institucional serão discutidos na quinta (24/9) pelo promotor de justiça André Tuma Delbim Ferreira, pelo defensor público Marcos Lourenço Capanema de Almeida e pela assistente social judicial Angélica Gomes da Silva. Quem medeia a conversa é a promotora Samyra Ribeiro Namen, em mesa coordenada pela assistente social Ana Maria de Paula Souza.

No sábado (26/9), o assunto é vínculo e trauma, que podem ser diminuídos com a intervenção precoce. A exposição do psicólogo e psicanalista francês Nazir Hamad contará com a tradução simultânea de Ronaldo Chicre Araújo. Os trabalhos serão mediados pela psicóloga Anapaula Rinaldi Romão, do TJMG. Em seguida, o juiz Ricardo Rodrigues de Lima fará o encerramento.

 

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